Saudações, jovens mancebos consumidores da cultura pop oriental. Como estão? Mais uma quarta-feira e mais um texto fresquinho para vocês. Após duas semanas falando sobre curtas-metragens de Pokémon com Socorro! Me transformei em um Gengar! e Espere por mim, Magikarp!, hoje vamos falar sobre o curta Bao, lançado em 2018 pela Disney Pixar. A produção traz um olhar sensível sobre um dos problemas mais recorrentes na maternidade, com o qual milhões de mães ao redor do mundo devem tratar: a dificuldade em ver os filhos crescendo e ganhando independência. Sem mais delongas, bora para o tema de hoje. Senta que lá vem spoiler.

Um pouco sobre a obra e sua autora

Bao é um curta-metragem de pouco mais de sete minutos lançado em junho de 2018 pela Disney Pixar, tendo sido dirigido e roteirizado pela cineasta chinesa Domee Shi. Bao é uma produção histórica: ganhou o Oscar de Melhor Curta-Metragem em 2019 e consagrou Domee Shi como a primeira mulher a dirigir um curta-metragem da Pixar. Além disso, Shi se tornou, neste ano, a primeira mulher a dirigir sozinha um filme da Pixar graças ao seu trabalho em Red: Crescer é uma Fera. A ênfase na palavra “sozinha” é importante, pois, em 2012, a cineasta Brenda Chapman dirigiu parte do filme Valente, mas foi demitida no meio do projeto, que foi concluído pelo diretor Mark Andrews. Os créditos de direção, portanto, são divididos entre os dois profissionais.

Tendo migrado com seus pais para o Canadá quando tinha apenas dois anos, Domee Shi traz um toque pessoal para Bao, uma vez que também teve alguns conflitos com sua mãe enquanto era adolescente, muito por causa das diferenças culturais entre ocidente, onde Shi fora criada por quase toda a vida, e oriente, onde seus pais nasceram e cresceram.

Resumo da história

Era uma vez uma mamãe chinesa. Ela vivia em sua casa com seu esposo e cuidava dos serviços domésticos, enquanto o companheiro trabalhava fora. Certo dia, essa mamãe preparou o café da manhã para ela e seu marido: algumas porções de bāo, um pãozinho cozido típico da China. O homem, ao perceber que estava atrasado para o trabalho, come rapidamente sua comida, se despede da esposa e sai de casa, deixando-a sozinha. Eis que uma acontece algo estranho: um dos bāo ganha vida! A mulher, no princípio, fica assustada (a expressão que ela faz sempre que fica espantada com algo, arregalando os olhos, é a parte mais engraçada do curta), mas, posteriormente, ela “adota” o pãozinho como seu filho.

A mamãe e seu “novo filhote” não se separam, indo da mercearia ao Tai Chi juntinhos. O pequeno bāo, contudo, começa a crescer, em uma velocidade inversamente proporcional a dos três minutos que, segundo Freeza, separavam Namekusei de sua iminente destruição. Com isso, o “menino” logo se tornou um adolescente, passando a se afastar de sua mãe.

Certo dia, o pãozinho, já um jovem adulto, arruma uma namorada e tenta sair de casa para morar com ela. Sua mãe não aceita a situação e tenta impedi-lo de deixar o ninho, mas sem sucesso. Quando o bāo estava para passar pela porta da sala para iniciar sua vida de casado, a mamãe toma uma medida drástica e come (!) o bāozinho.

Bao e a síndrome do ninho vazio

Tudo o que aconteceu até o momento no curta foi uma grande metáfora. O bāo que ganhou vida representa o único filho que o simpático casal tinha e que deixou a casa dos pais para dar um novo passo em sua vida. Sua mãe tinha dificuldade em aceitar sua partida, o que fez com que surgisse um atrito entre os dois. Felizmente a mulher não chega a devorar seu filho de verdade como ela fez na cena final da metáfora, ele apenas vai morar com sua companheira.

A natural tristeza que atinge os pais ao verem seus filhos saírem de casa tem nome: síndrome do ninho vazio. Segundo a psicóloga Joana Baldi, da clínica psicológica Casule, esse problema surge independente da razão que leva os filhos deixarem a casa de seus pais, ainda que, naturalmente, uma saída mais amigável, causada por motivos como a entrada em uma faculdade ou um intercâmbio, tende a tornar a situação mais administrável.

A mamãe chinesa de Bao sofre com a partida de seu filho. Para ela é muito doloroso ver seu menino partir, principalmente pelo fato de que essa mudança foi feita de maneira dolorosa, com desentendimentos. Ela certamente se sentia abandonada, e isso a deixou bem triste, como podemos ver logo no início da produção quando ela, após preparar o café da manhã, se dirige à porta dos fundos de sua cozinha.

Segundo Baldi, a síndrome do ninho vazio, geralmente, tende a se resolver com o passar do tempo e a adaptação à uma nova rotina e realidade. A síndrome pode, contudo, se desdobrar, em casos mais graves, em um quadro depressivo, demandando um acompanhamento profissional para que seja resolvido.

No caso da protagonista de Bao, não foi necessária uma intervenção profissional, mas era necessária uma reconciliação para que a vida seguisse. No fim, o rapaz volta para a casa de seus pais para resolver essa pendência (e é nesse momento que vemos o quanto ele é parecido com um bāo). De um jeito tímido, o moço senta-se ao lado da mãe em sua cama, onde ela estava deitada, melancólica. A cena final, com os pais, o moço e sua companheira sentados à mesa, interagindo e felizes, em contraste com uma das cenas iniciais, onde somente os pais estão à mesa e a mãe se mostra tristonha, sacramenta a resolução dos problemas e mostra que a síndrome do ninho vazio é página virada.

Carregando parte das experiências pessoais de sua autora, Domee Shi, Bao apresenta um olhar sensível sobre um tema complexo e, usando uma metáfora alimentícia bem-humorada, lança luz sobre um problema extremamente comum e que pode afetar profundamente os relacionamentos familiares. O curta mostra que grandes mudanças nunca são fáceis e cabe às duas partes, pais e filhos, tentar fazer com que esse momento ocorra da maneira mais tranquila possível, pois, como diz um verso de uma grande canção da cultura pop brasileira: “[…] depois que cresce, o filho vira passarinho e quer voar”


Por hoje é só, pessoal. Espero que tenham apreciado. Nos vemos na próxima semana, nesta mesma coluna e nesta mesma rádio, que é do seu jeito, do seu gosto. Bye bye.