No final de 2017, mais especificamente no mês de setembro, o estúdio Team Salvato tornou público um dos jogos mais influentes daquele ano: Doki Doki Literature Club!, uma visual novel gratuita.

O jogo foi excepcional por diversos motivos que vamos tentar expor aqui. Vale lembrar que só existe uma forma de começar a falar sobre Doki Doki:

Não é recomendado para pessoas sensíveis!

Este aviso pode parecer corriqueiro quando vários jogos advertem sangue ou violência gráfica. Verdade seja dita, muitas pessoas já estão acostumadas com isso quando se trata de videogames. Doki Doki Literature Club! consegue ser mais pesado ou perturbador do que jogos essencialmente violentos. Quando o Team Salvato coloca esse aviso, ele é sério. O jogo não é recomendado para pessoas sensíveis.

Faz pouco mais de um ano desde a minha experiência com Doki Doki. Eu posso afirmar, depois de todo esse tempo para analisar o jogo de forma fria, que nunca tive uma experiência tão intensa com uma visual novel.

Quando lançado, o título não me chamou a atenção por se fazer parecer um date-sim, um simulador de namoros, genérico e padrãozinho. Foram as reações destoantes que me fizeram ter interesse no jogo e, bem… todas as reações erráticas estavam mais do que certas, o jogo não era o que ele se fazia parecer.

O contexto em que Doki Doki surge

O ano de 2017 era promissor para a cultura otaku. Animes se tornavam cada vez mais mainstream, vários veículos legais passaram a transmitir as obras em massa no Ocidente. As convenções eram mais comuns, mais frequentadas, e o padrão otaku deixa de ser a exceção e se torna mais a regra.

As visual novels, que também eram uma atividade de nicho, também se tornaram mais representativas no mercado de jogos. Vários títulos foram traduzidos do japonês e vários estúdios faziam suas próprias interpretações do gênero. Doki Doki se coloca no cenário como uma visual novel incrível e facilmente comercial.

O jogo tinha personagens lindamente desenhadas, e a ambientação parece perfeita para que você fique imerso no universo enquanto se diverte com essas personagens. Você é rapidamente apresentado a três garotas, cada uma delas kawaii à sua própria forma.

Numa primeira camada, o jogo parece idealizado como se saído diretamente de um anime harém com pitadas de comédia, daqueles que vão te deixar alegre e de coração leve ao terminar sua aventura. O problema começa nas outras camadas, bem mais profundas e sombrias, de Doki Doki.

A partir daqui as coisas ficam mais sombrias e consideravelmente com mais spoilers.

O momento em que Doki Doki abandona o date-sim e se torna terror psicológico

Por baixo da sua arte fofa, seu objetivo simples e sua música temática relaxante, Salvato passa a preencher suas personagens com problemas reais demais e com tristezas materiais demais. Sociopatia, abuso doméstico e depressão são temas que, em maior ou menor grau, são explorados na narrativa.

O jogo, de repente, parece escapar do seu controle. A música (ou a ausência dela) é capaz de te conduzir do conforto à tensão drasticamente, te fazendo lidar com emoções e sentimentos cada vez mais pesados. De mãos atadas, você é forçado a testemunhar uma das mortes mais impactantes que eu já testemunhei num jogo.

Depois disso, o jogo se repete, interferindo nas pastas do seu computador e te forçando a repensar a sua relação com o jogo, abusando de efeitos de bugs, textos sombrios e sustos inesperados para te causar desconforto.

Nos últimos momentos do jogo, eu precisava me lembrar de respirar. Doki Doki me levou além dos meus próprios limites, deixando-me triste, ansioso e até mesmo desesperado em alguns momentos. Ao concluir o título, a sensação de vazio era maior do que tinha o direito de ser… Talvez porque o jogo se desinstala ao ser concluído, garantindo o máximo do efeito metanarrativo que os desenvolvedores quiseram atribuir a ele.

Violência gráfica, romance e… filosofia?

Em alguns momentos, para te conduzir até os momentos finais do jogo, o Team Salvato chega a fazer uso de algumas imagens violentas ou chocantes. Tudo mantendo a atmosfera crescente de tensão. No final, a experiência é bela… ou traumática.

Talvez um pouco dos dois.

Se os temas abordados em Doki Doki Literature Club! não fossem tão intensos e pesados, talvez o jogo não tivesse alcançado tamanho impacto. Talvez ele não fosse, sequer, tão bom. Se o jogo não fosse tão intenso, talvez não nos fizesse refletir tanto ao concluí-lo.

No fim, Doki Doki é capaz de criticar as fundações não apenas das visual novels, mas de todo o caráter narrativo dos jogos eletrônicos. Foi com um misto de críticas e contradições que o título independente e de um estúdio estreante adicionou mais ao cenário de jogos do que era esperado por títulos maiores.

Dan Salvato pode se orgulhar de ter feito um dos melhores jogos num ano de tamanho sucesso para os videogames. Salvato e seu time devem se orgulhar por terem adicionado tanto ao gênero visual novel. Ao custo de todos os sentimentos derramados neste jogo assustador e lindo, Doki Doki é a prova de que a qualidade de um jogo não está limitada nem pelo seu estilo nem pelos seus pares.

As visual novels nunca mais seriam a mesma coisa depois de Doki Doki. Ou talvez eu que não tenha conseguido encarar esse tipo de jogo da mesma forma. Ainda assim, a marca dos mais de 5 milhões de jogadores e mais de 95% de resenhas positivas na Steam provam que o jogo extrapolou tudo o que já havia sido visto entre novels de anime.

Veredito:

Prós:

  • Arte e visual polidos e bonitos;
  • Ritmo crescente bem construído;
  • Excelente carga dramática;
  • Just Monika.

Contras:

  • É uma experiência muito forte, não recomendada a todos os públicos;
  • Muito elementos narrativos estão escondidos nas pastas do jogo e podem ser perdidos caso você não esteja ciente;
  • Just Monika.

Conclusão:

Embora Doki Doki, assim como a maioria das visual novels, não tenha fatores intensos de jogabilidade, o título é capaz de te prender numa trama bem elaborada por algumas horas. Se você tem interesse no jogo e não se incomoda com algumas horas lendo caixas de diálogo, Doki Doki é sensacional. Ainda assim, o jogo não é recomendado a todos os públicos, especialmente por tocar diretamente em muitos gatilhos e assuntos sensíveis.

Notas

  • Gameplay: 8
  • Visual: 10
  • Continuidade: 10
  • Nota final: 9,5