Ultimamente, tudo o que Yato tem desejado é desaparecer.

Ele costumava pensar que, se encarasse tudo da forma mais leve e otimista possível, o ajudaria a alcançar seu tão almejado sonho: se tornar um deus popular e ter seus esforços reconhecidos.

Não parecia um sonho distante. Ele acreditava que só precisava ser paciente e nunca deixar sua determinação morrer. Quando sua confiança vacilava, ele se lembrava das duas pessoas mais importantes de sua vida, que acreditavam no potencial dele e lhe apoiavam independente das circunstâncias. Bastava olhá-los e ouvi-los dizer que tudo ficaria bem para que as suas inseguranças fossem embora no mesmo segundo, como se elas nunca tivessem existido de fato.

E até agora a certeza de que tinha ótimas pessoas ao seu lado era o suficiente para que ele tivesse força para enfrentar seus problemas de frente e saísse vitorioso.

Contudo, após anos e anos cumprindo com eficiência todos os desejosos que caiam em suas mãos, ele não teve resultado. Os humanos só se lembravam dele quando precisavam dele; depois disso, fingiam que o deus Yato não existia e eles tinham conquistado seus objetivos sozinhos, sem qualquer ajuda de terceiros.

Claro, Yato sabia que os humanos eram assim, mas ele não tinha noção do quão ingratos e egoístas eles poderiam ser quando queriam.

Então a esperança de Yato foi caindo e caindo e caindo cada vez mais, até que ele se deu conta de que não acreditava mais em si mesmo. Que seu sonho era uma utopia e ele deveria jogar tudo pelos ares e sumir. Mesmo escondendo seu desânimo através de sorrisos, Yukine e, principalmente, Hiyori sabiam que ele estava escondendo suas dores e aquilo o arrasava. Ele odiava preocupar quem era importante pra ele, queria que sempre estivessem bem não importando qual era sua situação, mas eles não conseguiam agir como se tudo estivessem bem quando sabiam que Yato estava definhando de dentro pra fora aos poucos.

O deus seria eternamente grato pelo carinho e cuidado que recebeu deles, porém ele os queria bem, e isso não aconteceria enquanto a confiança de Yato não voltasse. E isso parecia esta tão longe de acontecer… Ele se perguntava se não seria mais fácil deixar de existir nesse mundo, assim pararia de preocupá-los.

Óbvio que ele não estava pensando em suicídio, ele não poderia abandonar seu amigo que ainda dependia muito dele e não acreditava que se afastar de Hiyori, a mulher por quem ele estava perdidamente apaixonado, seria uma boa escolha. A mulher de longos cabelos castanhos seria capaz de ir até o inferno para caçá-lo e puni-lo, caso ele o fizesse.

— Yato? — a voz vacilante de Hiyori chamou sua atenção e denunciou a preocupação dela. Ela sabia melhor que ninguém que um Yato sentado na janela de seu quarto, com todas as luzes apagadas e um olhar distante, significava que ele estava no fundo do poço ou talvez até tivesse cavado um pouco mais dele — Não sabia que você viria aqui hoje, por que não me avisou? — ela perguntou, tomando cuidado para não acabar lhe dando a impressão de que ele não era bem-vindo ali.

— Eu estava pensando e… acabei vindo pra cá sem perceber. Quando me dei conta, já estava na porta de seu apartamento e como eu já estava aqui, resolvi esperar você aqui dentro — ele desviou o olhar da noite e se focou na penumbra onde estava Hiyori. O deus não conseguia vê-la mesmo que a luz da luz iluminasse parcialmente algumas parte do quarto, mas logo ela foi até o interruptor e acendeu a luz, permitindo que ele a visse com clareza.

Ela tinha uma aparência cansada depois de trabalhar o dia inteiro, porém não parecia querer dormir. Quando ela se aproximou dele, Yato entendeu que ela não ficaria em paz enquanto ele não lhe dissesse o que estava passando em sua cabeça. E assim que a mesma parou em sua frente com um olhar interrogativo, Yato abaixou a cabeça e respirou fundo antes de começar a falar:

— Apenas estava me perguntando por que continuo sonhando com algo que não vou alcançar. Deveria desistir de tudo e me isolar em algum lugar, quem sabe assim eu dê um pouco de tranquilidade para você e o Yukine — ele sabia que aquilo com certeza partiria o coração de sua amada, e sua covardia não permitiu que ele levantasse seu olhar para encará-la. Sabia que a veria chorando e isso destruiria por dentro.

O problema é que Hiyori, ao ouvir o que ele disse, não estava disposta a relevar.

Até agora, ela procurou ser o mais compreensiva possível, lhe dando o espaço que ele precisava para organizar seus pensamentos, mas deixar as coisas deprimentes que o outro dizia de vez em quando passar em branco parecia estar convencendo-o de que ele era só um fardo pra ela.

Ela se deu conta de que, se não mudasse de estratégia, algo terrível poderia acontecer com seu amado, então ela encheu seus pulmões de ar e ele levou as mãos até os rosto de Yato.

Com elas, Hiyori o obrigou a levantar o rosto e olhar em seus olhos.

A expressão surpresa dele mostrou que ele não esperava vê-la tão irritada quanto estava agora. Provavelmente o deus pensava que ela estaria chorando, e ela não negava que isso era o que mais tinha vontade de fazer agora. Só que lágrimas não resolveriam seu problema agora, então ela engoliu o choro e uniu suas forças para falar sem gaguejar.

— Eu quero que você repense no que você acabou de me dizer e veja o quanto você está enganado — os olhos azuis claros dele se arregalaram, mostrando que ela estava no caminho certo, então ela continuou — Se você fosse embora agora mesmo, Yukine, os outros e eu não descansaríamos enquanto não te encontrássemos. Em sua situação atual, você pode estar nos preocupando muito, mas está longe de ser um fardo — ela percebeu que ele a interromperia e pôs uma das mãos em sua boca para impedi-lo. A outra mão que ainda estava em seu rosto o acariciou gentilmente, indo contra a ira que sua expressão e sua voz mostravam — Eu pensei que essa seria apenas uma fase e logo você se recuperaria, como você sempre fez, mas parece que você se esqueceu de seu próprio valor, do quanto você é especial pra mim e do quão genial você pode ser quando a situação demanda. Então deixe-me lembrá-lo que muitos deuses extremamente poderosos invejam você, que não tem quase nada e ainda assim consegue ser melhor do que eles. Consegue ser mais inteligente, mais hábil. mais forte, mais rápido… Você constantemente os lembra de que, quando (não se) você alcançar seu objetivo, será praticamente invencível. E, por isso, eles vêm tentando te sabotar, fazendo os humanos pensarem que foram eles que os ajudaram e não você — Yato foi surpreendido mais uma vez. Aquela informação era nova para ele, e apesar de estar curioso para saber como Hiyori a obteve, ele permaneceu calado, querendo ouvir tudo o que ela tinha dizer — E eu acredito que se estão fazendo isso com você, é porque você está mais perto de conseguir o que quer do que imagina. Então ao invés de deixar suas incertezas de lado, por que você não continua dando seu melhor? Você não pode voltar atrás agora, já fez muitas coisas significativas para passar despercebido. Eu sei o quanto dói não ser reconhecido pelo seus esforços, o quanto é frustrante dar o máximo de si e ainda assim não obter um resultado positivo. Mas não desista, você vai conseguir tudo o que almeja. O mundo todo pode ser seu, se você assim o quiser — mais aliviada por ter dito tudo o que estava guardando, ela deu um sorriso brilhante para Yato, que derreteu o coração do deus.

— Você se esqueceu de um detalhe importante — a expressão do homem a sua frente suavizou rapidamente, e um sorriso curto dele a fez corar. Eles estavam muito perto um do outro, mais do que era saudável para o coração idiota da mulher. E para piorar tudo, ele passou os braços por sua cintura e a trouxe para junto de seu peito, fazendo a mulher de longos cabelos castanhos ficar ainda mais acanhada — Você é o meu mundo. Se te tenho ao meu lado, também tenho ele — o beijo que ele deu em sua testa logo depois de ter dito palavras tão belas mexeram ainda mais com ela — Eu amo você. Obrigado por tudo o que fez e tem feito por mim até aqui. Eu tenho muito defeitos e estou longe de te merecer, mas continuarei me esforçando para ser digno do seu amor. É o mínimo que posso fazer para retribuir.

Quase brilhando de tanta felicidade, ela ficou na ponta dos pés e lhe deu um beijo lento, que não foi cessado tão depressa.

— Eu também amo você — seu lindo sorriso voltou, fazendo Yato sentir que estava voando entre as nuvens. Ela o acalmava e o alegrava com tanta facilidade que as vezes chegava ser assustador perceber o efeito que tinha sobre ele — E você não precisa me retribuir por nada. Mas saiba que eu ficaria muito infeliz se você fizesse aquele ensopado de brócolis e carne que você sabe o quanto adoro.

Rindo, Yato assentiu e foi com ela até a cozinha, sentindo que estava ainda mais determinado e otimista do que antes.