(Print do último episódio de Tales of Zerestia the X2 onde fica subentendido que Rose e Alisha terminam juntas)

 

O último episódio de Tales of Zerestia the X2 que só foi exibido no domingo no Japão era muito aguardado por quem vinha acompanhando a animação. Adaptado do game da franquia Tales (RPG produzido pela Bandai Namco) o animê, produzido pelo poderoso estúdio Ufotable estreou em 2016 com seus travalhos dividos em dois half cour com 13 episódios sendo o primeiro Tales of Zerestia the X e a sua sequência ganhando um "2" como indicação.

Acompanhamos a história de Sorey, um jovem humano criado junto dos serafins (seres sagrados que regem o mundo) e que acaba se descobrindo como o Pastor, o mais importante símbolo da união de homens e serafins e combatente direto da malevolência – energia nascida do ódio dos homens -.

Tales of Zerestia (o game de 2015) e Tales of Berseria (o game de 2016) ambientam a narrativa. Tanto que na primeira meia temporada três episódios do animê são dedicados à personagem Velvet Crowe. Tudo isso ligando os enredos onde Tales of Berseria serve como uma prequel para Tales of Zerestia.

Mas voltemos ao assunto principal: o fim do animê. Como ia dizendo, o último episódio era muito aguardado e acabou revelando uma surpresa (que para alguns não era tão surpresa assim). Como a imagem acima sugere as duas personagens femininas, a mercenária Rose e a princesa Alisha, acabaram se consolidando como par romântico.

O shipp já existia desde a primeira temporada e muito antes por quem jogou Tales of Zerestia. Embora em muitos casos a narrativa deixe no ar que ambas (muito mais Alisha) nutrem uma espécie de crush pelo Pastor Sorey não foi assim que a Ufotable/Bandai Namco determinaram que fosse.

Nas entrelinhas – como na maioria das vezes nos animês de fantasia – os pares formados não ficam esclarecidos formalmente, mas ficam explicitamente para quem lê entrelinhas. O diálogo das duas ao fim do animê (na cena em destaque) evidencia tudo. Começa com Rose se reunindo com Alisha (agora rainha) em uma espécie de piquinique as duas muito brincalhonas entre si (o que não acontecia muito no animê devido justamente a elas terem focos distintos entre a primeira e segunda fase). Onde sempre estavam junto de Sorey.

Depois entram as servas de Alisha numa brincadeira sobre casamentos e elas são questionadas sobre não se comportarem como quem deseja o matrimônio. Elas desconversam. Por fim, a principal cena, onde elas juntas estão sentadas à margens de um rio. Elas lembram de Sorey e suas aventuras e começam a trocar palavras de afeto uma com a outra.

 

"Fico feliz! Você continua sendo a mesma princesa que eu gosto!" – diz Rose, que diferente de antes surge no último capítulo com uma aparência mais feminina e muda o visual dos cabelos e roupas.

"Eu também gosto de você, Rose" – responde amável a Rainha Alisha, agora mais apresentável como alguém da realeza. Feminina, mas diferente, madura. Quase se contrapondo a imagem de Rose.

"Obrigada, Alisha" – responde Rose, que não tinha o costume de chamá-la pelo primeiro nome ou sem o título real acompanhado e, logo em seguida, dá um sorriso tímido.

 

Depois disso elas voltam a falar do Registro Celestial (que havia levado-as a falar de Sorey) e depois passam a apreciar o livro Juntas como um casal de apaixonados que buscam um pelo outro quando querem compartilhar carinho.

É bem verdade que eu posso estar exagerado demais, pois se você assiste a cena e entende o mínimo de japonês sabe que na hora que elas falam que gostam uma da outra elas usam o Suki (好き), a forma de falar que não reflete nada mais intenso como é o caso de Koishiteru (恋してる) ou Aishiteru (愛してる). Mas se estou falando disso é porque há fundamento.

Na busca por fanarts, por exemplo, é comum encontrarmos arts que representem Alisha/Sorey, Rose/Sorey e até Alisha/Rose. A fanbase que defendia o relacionamento era pequeno, mas acabou acertando. Sabemos que em animês nem sempre a coisa deve ser tão evidente como se espera.

(Alisha e Rose em uma fanart na web. Sorey e Mikcleo também são encarados como um shipps pelos fãs)

 

Mas o teor dessa matéria não é comentar se elas ficaram juntas ou não. Na verdade o que estamos debatendo aqui é como o Japão vem abordando nos últimos anos esse conceito de relacionamento afetivo entre casais do mesmo sexo em suas narrativas (mangás, games e animês).

Não se pode dizer que o Japão é um país aberto quando se trata do assunto. O homossexualismo é um assunto velado no meio da sociedade nipônica, que vive amparada pelo ditado " Deru kugi wa utareru" que quer dizer "O prego que se destaca é martelado para baixo". Assim como sofrem alguns otaku, os homossexuais nipônicos também são encarados como diferentes e não se encaixam no modelo de sociedade que vigora no país.

Assim como no Brasil, a Carta Magna Japonesa registra que casamento é a únião estável das partes de ambos os sexos. O texto deixa claro que eles ainda não reconhecem a união homoafetiva como família. No entanto eles já avançaram no debate. Desde 2015 casais homossexuais já podem ter sua união estável regularizada no Distrito de Shibuya em Tóquio. Essa união foi feita pelas atrizes Ayaka Ichinose e Akane Sugimori em uma celebração feita para 80 pessoas. 

(As atrizes Ayaka Ichinose e Akane Sugimori em seu casamento)

 

Ou seja, o Japão não é muito diferente do Brasil no que diz respeito ao assunto. Se há uma diferença é que não se vê no noticário internacional casos de agressão e demais atos de horror praticados contra homossexuais no Japão como se vê por aqui. Agora dizer que eles não sofrem lá é mentir.

Assim como no Brasil as telenovelas (da Rede Globo) já introduzem personagens gays em suas tramas. Por lá a indústria do entretenimento também vem fazendo isso. Só não sei se de forma conveniente. Entenda que quando digo conveniente digo ao me referir a forma como abordam.

No caso de Tales of Zerestia the X não ficou explícito, mas ficou dito nas entrelinhas. Agora tem animês que não fazem nas entrelinhas e ainda usam o recurso do homossexualismo não para quebrar preconceitos, mas para mexer com o libido dos telespectadores. É o caso de Valkyrie Drive: Marmaid onde as protagonistas e algumas coadjuvantes mantinham um relacionamento aberto homoafetivo, mas isso não foi trabalhado e sim uma erotização delas em cenas picantes. Já há casais construídos e importantes para a Cultura Pop de um modo geral como Sailor Urano e Sailor Neturno que originalmente são lésbicas, mas aqui no Ocidente foram apresentadas pela censura como primas. As duas são a referência mais precisa que qualquer um pode levantar de forma correta de se abordar o assunto. No entanto…

(Símbolo LGBT da Cultura Pop, Urano e Neturno sofreram com a censura nos anos '90)

 

Você já percebeu onde quero chegar? Pois é. Quando um animê tem casais homossexuais mais construídos e tudo o mais sempre são garotas. Garotos ficam presos ao gênero do Yaoi. Por falar em gênero… O fato de existir Yaoi e Yuri não reverbera uma preocupação da mídia em tratar a quebra de preconceito sobre o assunto. Isso porque quem consome esse tipo de animês são quem faz parte do universo gay ou quem tem algum tipo de fetiche. Não vamos nos esquecer das fujoshis que embora ditas hétero sonham montando casais homossexuais entre garotos e consomem avidamente textos BL (boys love).

Fica dito aqui então que os japoneses não encaram ainda com naturalidade o assunto homossexualismo. Então não se engane e crie discussões desnecessárias em seu grupo de amigos sobre o fato de "O Japão ser mais evoluído que o Brasil". Ele pode ser em vários temas, mas assim como nós os nipônicos tem as mesmas dificuldades de tratar do assunto como sua sociedade.

Para um grupo de pessoas que preferem transformar tudo em fetiche (sim, os japoneses são assim) a forma como eles encaram o homossexualismo (como um fetiche) é mais prejudicial do que ignorar o assunto. Isso porque estamos falando de vidas.

Sem mais delongas… Os parabéns para a equipe da Ufotable/Bandai Namco pelo final de Tales of Zerestia. Para mim foi uma surpresa ter as duas juntas. E o animê ainda deixou outra entrelinha (segundo amigos meus) um relacionamento afetio entre Sorey e o serafim Mikcleo (que foram criados juntos). Enfim, a ficção é a ficção.

Para finalizar fiquem com as palavras do Mr.2 Bon Clay do animê One Piece de Eiichiro Oda. Onde o seu 'okama way' seria uma ambiguidade para "come on way" algo como siga o meu caminho, ou apenas o "meu jeito gay de ser".

 

"Mesmo que desvie do caminho do homem
Mesmo que desvie do caminho da mulher
O que não posso desviar é o caminho do ser humano
Quando for morrer, será juntos
No céu da verdade,
florescerei o caminho gay 'Okama way'"
 
 
Aos meus leitores e amigos gay espero que tenham gostado. Os leitores e amigos hétero também. É isso e… Sayonara!