Olá, pessoal. Aqui estamos em mais uma semana para discorrer sobre mais um assunto superinteressante. Semana passada, vimos um pouco sobre o MacGuffin, uma das ferramentas mais usadas no cinema, e hoje vamos ver sobre outro artifício extremamente comum e presente em muitos dos nossos filmes e séries favoritos, o Red Herring. Ficou curioso? Então chega mais porque o tema de hoje é muito interessante. Cuidado com os spoilers, hein?

O que significa Red Herring

Vamos começar pelo começo e ver o que a expressão significa. Red Herring remonta a uma prática comum nos EUA no início do século XIX quando os caçadores de raposa estavam treinando seus cães para encontrar seus alvos. Após o treinamento do cão, o caçador pegava um peixe com cheiro bem forte do tipo arenque (em inglês, herring) e tentava criar uma trilha falsa, espalhando o cheiro do animal marinho pelas trilhas de raposa. Dessa forma, era possível verificar se o cachorro continuava farejando a raposa ou se começava a seguir o cheiro do arenque.

Dessa forma, Red Herring passou, com o tempo, a ser sinônimo de pista falsa, algo para propositalmente enganar e desviar a atenção das pessoas, fazendo-as “saírem da trilha da raposa”. Ficou muito famoso em livros da escritora britânica Agatha Christie, como Assassinato no Expresso Oriente.

O Red Herring no cinema

Existem várias formas de se usar o Red Herring em uma produção cinematográfica, das quais podemos destacar as cinco mais populares.

Há o Narrador Suspeito, em que a história é conduzida do ponto de vista de um narrador pouco ou nada confiável, fazendo com que o espectador, no fim, descubra que um ou mais eventos anteriormente relatados sejam diferentes do que havia se pensado acerca deles (graças a esse narrador suspeito que dá um “drible” na audiência). Esse narrador pode ou não ser um dos personagens envolvidos na história.

Há o tipo Efeito Emocional, em que existe uma quebra de expectativa na história, fazendo com que, no momento em que a verdade é revelada, haja uma carga emocional muito grande na audiência. Exemplo: um pai deixa seu jovem filho na casa de seus avós, vai embora e nunca mais volta. Anos mais tarde, o rapaz descobre que, na verdade, o pai fez aquilo para o seu próprio bem e que nunca deixou de o amar (como aconteceu nos filmes d’O Espetacular Homem-Aranha, com Andrew Garfield).

Existe o Edição Histórica, em que vemos uma apresentação inicial de um evento real, seguido por um desfecho diferente daquele que, de fato, ocorreu. Um bom exemplo seria voltar cerca de 66 milhões de anos e olhar momentos que antecederam a queda do meteoro que possivelmente matou os dinossauros. Antes que aquela pedrinha caísse na Terra, o Goku apareceria, soltaria um Kamehameha e acabaria com a ameaça. Esse tipo de Red Herring é similar à série animada What if…?, da Marvel.

Temos o Red Herring de marketing de uma produção, em que uma atriz ou ator muito famoso é contratado e seu personagem tem uma participação diferente da esperada e/ou um desfecho prematuro. Mais ou menos como contratar o Leonardo DiCaprio e o The Rock para um filme e, nos primeiros dez minutos, fazer o carro deles explodir ou eles serem atacados por alienígenas da Quarta Dimensão e morrerem. Todo mundo estava esperando que eles fossem protagonistas e, do nada, BOOM! And it’s over. Outro exemplo: lembram quando o Thanos foi derrotado logo no início de Vingadores: Ultimato e todo mundo ficou surpreso, sem entender nada e com aquela sensação de “ué, mas já se foi?” É tipo aquilo.

Por último, mas não menos importante, temos o tipo Quem fez isso?, o mais clássico de todos os Red Herrings. Talvez você esteja estranhando a nomenclatura, mas certamente já viu essa variante por aí. Essa versão, muito presente em filmes, séries e livros de suspense e mistério, geralmente se desenvolve a partir de um crime (como um assassinato) e os suspeitos de terem cometido esse crime. Durante toda a trama, nós somos levados a acreditar que é o personagem “X” o responsável pelo crime, apenas para, no final, ser revelado que o culpado era o personagem “Y”. Atrair a atenção e as suspeitas dos espectadores para uma determinada direção e, no fim, mostrar que todos estavam errados; esse é o Red Herring em sua essência! Além dessa maneira mais conhecida de se usar essa versão do Red Herring, temos ainda uma variação desta, usada, por exemplo, no já citado Assassinato no Expresso Oriente, de Agatha Christie.

Em seu livro, adaptado há pouco tempo para o cinema hollywoodiano, Agatha, com toda sua perspicácia, brinca com esse modo de usar o Red Herring. Mediante um assassinato inicial, a autora, ao invés de criar somente um culpado e direcionar a atenção dos leitores para um falso suspeito, faz com que vários personagens sejam responsáveis pelo assassinato. Agatha sabia que seus leitores estavam atentos à tentativa de usar um Red Herring para desviar sua atenção do real culpado, o que a levou a fazer com que a galera toda tivesse “culpa no cartório”, colocando os assassinos debaixo dos olhos dos leitores todo o tempo e brincando com essa expectativa geral. Em resumo, o que desviou a atenção das pessoas foi justamente o aguardo de haver um desvio de atenção, só que voltado para apenas um personagem. Ou seja, o Red Herring de Agatha Christie em Assassinato no Expresso Oriente é justamente a expectativa dos leitores de achar um Red Herring. Esplêndido!

Para finalizar e ainda falando em Agatha Christie, vale destacar algumas das obras da Dama do Crime que viraram mangás, como Os Crimes ABC e Testemunha Ocular do Crime, além do anime Agatha Christie no Meitantei Poirot to Marple, que adapta alguns contos da autora, incluindo as duas obras citadas anteriormente. Fica a dica para o fim de semana (ou para o restinho do feriado).


Por hoje é só, galera. Espero que tenham gostado do conteúdo de hoje. Nos vemos na próxima semana, nesta mesma coluna e nesta mesma rádio, que é do seu jeito, do seu gosto. Bye bye.