O dia 8 de março foi a data escolhida pelas Nações Unidas como o Dia Internacional da Mulher. No Japão é chamado de Kokusai Josei Day. Lá, o reconhecimento dos direitos de igualdade de gêneros ainda constitui um processo lento devido à tradicional posição subalterna da mulher na sociedade. Esta tradição remete ao início do Período Tokugawa (1600–1868), que hierarquicamente dividia a sociedade nas seguintes classes sociais, da mais alta para a mais baixa: uma pequena elite composta pela nobreza, pelos guerreiros (samurais ou bushi) e pelo alto escalão religioso; em seguida, os camponeses (hyakushō), que compunham a grande maioria da população; e abaixo deles estavam, respectivamente, os artesões (shokunin) e os comerciantes (shōnin).

O xogunato Tokugawa tinha normas hierárquicas específicas para a família: a posição de kachō (cabeça da família) era designada ao homem, e todos os outros membros da família, incluindo a shufu (esposa), ocupavam uma posição subordinada. Embora houvesse diferenças entre as as mulheres de diferentes classes, no geral, se esperava delas que fossem submissas a seus pais e posteriormente a seus maridos, exercendo o papel de mãe e esposa. É o que chamamos de men at work and women at home (homem no trabalho e mulher em casa).

Com a queda do regime feudal dos xoguns Tokugawa, no final de 1867, tivemos a ascensão do imperador Meiji, que aboliu as estruturas feudais, até mesmo o sistema de classe social, dando início a um acelerado processo de modernização do Japão: muitas mulheres camponesas começaram a trabalhar nas indústrias, porém com condições de trabalho ruins, jornadas muito longas, falta de higiene adequada e salários baixos, e embora a industrialização tivesse implicado na diminuição da autoridade de pais e de maridos sobre as mulheres, havia ainda uma idealização feminina como “boa esposa, sábia mãe” (ryōsai kenbo).

Na Primeira Guerra Mundial, os homens serviam as forças armadas japonesas, e, por causa disso, as mulheres tomaram várias frentes de trabalho, sendo chamadas de shokugyō fujin (termo coletivo para todas as mulheres trabalhadoras) Desse modo, houve o surgimento de movimentos feministas que buscavam igualdade e liberdade. Mas, como vai apontar Nabeshima (2014, p. 79):

Todavia, embora tenham sido deflagrados manifestos de cunho feministas nesse período, tais como o Blue Stocking e o Women’s Suffrage League, esse pensamento de caráter patriarcal começou a mudar somente após a Segunda Guerra Mundial.

Na Segunda Guerra Mundial, as mulheres, de novo, assumem as frentes de trabalho. Mas é apenas no final da guerra que a situação da mulher japonesa muda: o país é ocupado pelas Forças Aliadas, que introduzem reformas na sociedade japonesa e a nova constituição promulgada em 3 de Novembro de 1946, que estabelece que:

Todas as pessoas são iguais perante a lei e não devem ser discriminadas nas relações políticas, econômicas ou sociais por causa de raça, crença, sexo, status social ou origem familiar. Os nobres e a nobreza não serão reconhecidos. Nenhum privilégio deve acompanhar qualquer honra ao mérito, bem como tais condecorações não devem permanecer além do tempo de vida do indivíduo que as detém agora ou que possa vir a recebê-las.

Um adendo é que não havia uma lei específica na Constituição Japonesa que defendesse os direitos da mulher. O que havia era algo genérico sobre os princípios de igualdade nas relações políticas, econômicas ou sociais. Não havia uma proibição sobre possíveis discriminações que a mulher japonesa pudesse sofrer no mercado de trabalho, por exemplo, e nenhuma garantia que as leis fossem implementadas de fato. Assim, as mudanças não vieram de forma rápida, pois a grande maioria estava ainda com um pensamento tradicionalista de divisões de gênero na sociedade e no trabalho.

De lá para cá, a legislação japonesa avançou lentamente: Em 1956 (dez anos depois), o Japão foi aceito como membro na ONU (Organização das Nações Unidas), precisando assim cumprir com os objetivos e princípios contidos na Carta das Nações Unidas. Em 1968, foi aprovada a Lei de Igualdade de Oportunidade de Emprego. A lei foi revisada e, em 1999, incluiu a previsão de punições para quem descumpri-la e discriminar mulheres no mercado de trabalho. Nos anos posteriores, o Parlamento do Japão promulgou a Lei de Oportunidades Iguais de Emprego para Homens e Mulheres, que proibia a discriminação de gênero nos recrutamentos de trabalho, emprego, alocação para postos específicos e progressão de carreira; a lei também exigia que os empregadores fossem responsáveis pela prevenção de assédio sexual no ambiente de trabalho.

Nos dias atuais, estima-se que, para cada 100 ienes remunerados a um funcionário regular do sexo masculino, uma funcionária regular do sexo feminino recebe cerca de 74,8 ienes; um funcionário homem não fixo, por sua vez, recebe 55,7 ienes, e uma funcionária mulher não-fixa, 50,4 ienes. Além disso, observou-se que mais mulheres entraram no mercado de trabalho, mas com salários menores e sem posições de liderança. De acordo com a Global Gender Gap Report 2020, organizado pelo Fórum Econômico Mundial, o Japão está na 121ª posição num ranking de 153 países sobre igualdade de gênero, permanecendo como o pior país colocado, levando em consideração as maiores economias mundiais.

Apesar dos visíveis progressos nas políticas de promoção de igualdade de gênero, ainda é necessário muito desenvolvimento quando falamos em participação das mulheres. Joy Nascimento Afonso, professora de língua e literatura japonesa da UNESP no campus de Assis afirma:

Que mundo é este? Não é mais o século 11 no Japão, uma época em que se retratava nos romances um herói pelo qual a mulher estava à espera, um príncipe por quem se apaixonava e ficava de enfeite para nobres. Também não é a Era Edo [1603-1868], quando se idealizou o papel de mãe, uma mulher que deveria construir um bom casamento, saber cozinhar e cuidar do marido, filhos, família.

Para mães solteiras, a situação ainda é mais complicada, conforme aponta a socióloga Yumi Garcia dos Santos, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG):

Elas vivem uma “situação de fronteira”, isto é, são chefes de uma família monoparental e vivem entre a conquista de autonomia econômica, de um lado, e as pressões da precarização do trabalho, de outro. Elas estão sozinhas. A maioria trabalha, mas a renda média é menor.

E ela complementa:

O machismo se manifesta de um modo muito singular no Japão, onde há certa coesão social e são esperados comportamentos conforme os papéis atribuídos, isto é, saber ficar “no seu lugar”. É a ideia, literal, de que o homem deve andar na frente, e a mulher, três passos atrás.

Todo ano celebra-se o Dia Internacional da Mulher: campanhas, propagandas e eventos são realizados mundialmente, porém minha reflexão de hoje é sobre quais dessas ações fazem alguma coisa que traga benefícios e mude a condição feminina. O processo para se alcançar uma “sociedade com igualdade de gênero” é gradativo. É verdade que precisamos nos esforçar muito mais para conseguir menos, precisamos o tempo todo afirmar e reafirmar o nosso valor. Mas, tenho esperança em dias melhores e torço para que as mulheres japonesas ganhem cada vez mais voz dentro de uma sociedade tão hierarquizada!