Olá, terráqueos.
Obviamente, ficamos chocados quando terminamos um anime, um filme, um livro ou qualquer obra, e o final não é como esperávamos. Mas… qual é o final que sempre esperamos?
Hotaru no Haka não é um filme “dramático”, não é um filme “triste”. É um filme real. Uma verdade da qual às vezes tentamos fugir, mas a realidade é que nem todos teremos finais felizes. Precisamos nos lembrar disso para que histórias assim não se repitam, para não perdermos nossa humanidade, nossa empatia, mesmo nos tempos mais difíceis. E no mundo de hoje, não precisa ser anunciada uma Guerra Mundial para encontrar situações como as retratadas no filme.
Eu vi aquele menino que caminhava… Devia ter cerca de dez anos. Notei que ele carregava uma criança nas costas. (…) cena bastante comum de se ver no Japão (…), mas aquele menino tinha algo diferente (…) os olhos fixos daquela criança: estoico; sem emoção. Ele permanece imóvel, durante cerca de dez minutos, com o pequeno cadáver sobre suas costas. Depois, homens de máscaras brancas se aproximam: com extrema delicadeza, eles soltam os laços que atam a criança às costas do irmão. Eles o pegam, pelas mãos e pelos pés, e o pousam sobre as chamas. O menino assiste à cena. Não pisca. Um único movimento, quase imperceptível, vem dos lábios — que sangram. Ele está mordendo o lábio inferior. Mas não derrama uma lágrima. As chamas vão esmorecendo, como um sol poente. O menino se vira. E se vai, em silêncio, como em silêncio tinha chegado.
Essa foto tirada em Nagasaki por Joe O’Donnell foi uma das inspirações para o filme.
A base principal do filme é o livro homônimo de Akiyuki Nosaka uma espécie de semibiografia. Nosaka tinha 15 anos quando tinha de fugir constantemente das bombas incendiárias em Kōbe. Presenciou os ataques aéreos, pessoas sendo queimadas e, num deles, perdeu seu pai adotivo e ficou responsável por suas irmãs adotivas. Ainda em Kōbe, perdeu uma delas devido a uma doença. Viveu na pele a escassez e a miséria trazida pela Guerra, mais tarde perdendo sua segunda irmã para a desnutrição, em Fukui. Culpando-se por essas mortes, decidiu escrever o livro que mais tarde viraria o filme igualmente aclamado dirigido por Isao Takahata.
Takahata também pode externar suas vivências em sua obra, por muitos considerada seu melhor trabalho. O mais novo de sete irmãos tinha apenas nove anos quando teve de fugir descalço de pijamas com sua irmã por Okayama num ataque aéreo comandado pelos EUA. Ele diz ter visto pilhas de cadáveres enquanto os dois voltavam para casa, depois da chuva de fogos.
“Muitos programas de TV e filmes que apresentam bombas incendiárias não são precisos”, disse em uma entrevista em 2015. “Eles não incluem faíscas ou explosões. Eu estava lá e experimentei, então sei como foi. (…) Eu também queria revelar o que as pessoas fazem quando são levadas ao extremo.”
O roteiro se passa nos últimos meses da Segunda Guerra Mundial e conta a história de Seita e sua irmã Setsuko, que tem apenas 14 e quatro anos respectivamente. A primeira cena é narrada no dia 21 de setembro de 1945 já anunciando o trágico destino dos órfãos, e depois a história é contada por flashbacks do fantasma de Seita.
Voltamos para 16 e 17 de março. A mãe das crianças tem um problema de coração, então ela precisa sair primeiro para se dirigir ao abrigo já que ela não pode ir correndo, enquanto Seita fica para enterrar os mantimentos no quintal da casa e encarregado de levar Setsuko para o abrigo, mas acabam se desviando no caminho devido ao bombardeio repentino.
Quando se reúnem com os refugiados e Seita está na esperança de rever sua mãe, sua tia o encontra e dá a notícia de que sua mãe foi ferida. Sua mãe acaba por falecer e eles vão morar com a tia.
Conforme o tempo vai passando e a comida vai ficando escassa, as coisas começam a ficar difíceis na casa da tia, que também tem sua família para alimentar. Seita tem que trocar os quimonos da mãe por comida, que também não dura muito tempo.
Tempos difíceis tornam as pessoas mais duras, e conflitos começam a surgir na casa da tia por causa da necessidade de racionamento e escassez dos alimentos, lado que é melhor abordado no live-action de 2005.
Devido à relação conturbada com a tia, que começa a reduzir a comida dos dois e até mesmo dizer para eles mesmos prepararem se quiserem comer, eles se lançam à mercê do destino indo viver por conta própria nas ruínas da cidade, até encontrarem um abrigo abandonado.
E é aí que começamos a falar da simbologia no título do filme.
Como passatempo, Seita e Setsuko caçam vagalumes, que passam a iluminar o abrigo à noite. Porém, vagalumes costumam viver apenas de duas a três semanas. O abrigo, que acolhia as crianças, também acolhia os vagalumes, que morriam durante a manhã. Uma vida curta, assim como a da Setsuko e de muitas crianças vítimas da guerra e também porque os vagalumes simbolizam a alma humana.
Num dos cartazes do filme, Seita e Setsuko brincam com os vagalumes ao seu redor. Mas, se você clarear a imagem, aparece um avião no céu, e você entende que é uma alusão aos tiros B-29, o avião responsável pelas bombas incendiárias. Além do mais, para formar vagalume, em vez de usar o kanji usual “蛍”, foi usado “火” (fogo) + “垂る” (algo prestes a cair / uma pequena gota a cair), e juntando teríamos algo como pequenas gotas de fogo que estão prestes a cair.
Mesmo nos contando o desfecho trágico já em suas primeiras cenas, O Túmulo dos Vagalumes é um dos filmes mais lindos e humanos que eu já vi. Takahata e Nosaka conseguiram nos passar a mensagem de como as pessoas podem sem extremas em tempos difíceis. A falta de empatia e de sensibilidade das pessoas e a inocência das crianças perante isso.
Como o dinheiro passa a não valer nada quando os recursos se tornam escassos, pois papel não enche barriga.
E mesmo o funcionário concluindo que “era só mais um” ao encontrar o corpo de Seita, o filme nos mostra que todo rosto sujo tem uma história, tem uma jornada. Faz-nos refletir como Seita foi tratado como “só mais um” pelo funcionário da rodoviária, pelo médico que atendeu Setsuko, pelo fazendeiro que não entendeu suas necessidades. Por trás de suas roupas sujas, de seus olhos fundos e seu físico esquelético, havia uma história. Todos temos uma história e não podemos esquecer disso.
A miséria está lá fora, todos os dias, e aqueles rostos não podem ser estatísticas. Todo rosto tem um nome, uma jornada e precisamos lembrar disso, por mais triste que seja. É o peso de mantermos a empatia e a humanidade dentro de si, não podemos dar as costas para o mundo. Fica a reflexão e a recomendação! Tanto da animação quanto dos live-actions de 2005 e 2008. Até mais, terráqueos!