J-Hero, você abriu… e nós viemos. Arriscando-se mais uma vez em nossa coluna dedicada ao terror oriental? Pois bem: nesta semana temos a parte final da análise de uma das obras do mangaká Junji Itō, Fragmentos do Horror. Publicado nacionalmente pela Darkside Books, analisamos os dois primeiros contos na Parte 1, e logo depois mais três contos na Parte 2. Por último, mas não menos importante, os contos restantes exploram relações de dependência e seus sentimentos negativos de maneira primorosa, além da arte chocante característica do autor.

Já vai acabar?

Pássaro Negro (com spoilers!)

Kume, um observador de pássaros, encontra Shiro Moriguchi ferido e perdido em uma de suas trilhas. De acordo com os registros de escalada, o alpinista ficou perdido por um mês sem conseguir se mover e apenas com a comida que tinha em sua mochila. No entanto, mesmo após ter sido salvo, Shiro permanece preocupado e pede que Kume fique com ele no hospital. Durante a noite, uma estranha mulher os visita e alimenta Moriguchi regurgitando em sua boca.

Chocado, Shiro explica que, graças a esta mulher-pássaro, ele conseguiu sobreviver na montanha. Eles então entram em contato com a polícia que investiga a carne cuspida pelo alpinista e descobrem que é de origem humana, mas sem identificação. Após sua recuperação, Moriguchi decide fugir, mas alguns anos depois ele é encontrado morto no Monte Fuji. A seguir, seu diário relata seus últimos dias sendo capturado e devorado pela mulher pássaro, assim como Kume.

No primeiro momento, este é um conto simples que flerta com passagens temporais e o oculto. Entretanto, as relações de dependência estão escancaradas por toda história. Tudo começa com Shiro, que é encontrado em um lugar inóspito. Sem contatos, familiares ou pessoas próximas, é de se esperar que ele se agarre ao primeiro sinal de ajuda, Kume. Pensando por esta linha, a mulher-pássaro representa a dependência de Moriguchi em relações interpessoais. Aqui a retroalimentação é a necessidade de ter alguém que cuide dele. Afinal, o DNA encontrado na carne utilizada para alimentá-lo pertence ao próprio alpinista.

Após sua morte, Kume também é encontrado pela mulher-pássaro. Neste ponto, ele havia desenvolvido uma relação de codependência com a pessoa que salvou. Uma ideia de construção egoica de salvador e a necessidade de superioridade. O benfeitor que está sempre a prezar pelo outro por um altruísmo disfarçando sua obsessão. Ponderando esta ideia, anos se passaram, e Kume ainda pensava no homem que havia resgatado, na mulher-pássaro (ok, que não?) e toda a história enquanto andava por locais inóspitos como o daquela época.

Preenchimento labial, bebê…

Magami Nanakuse (com spoilers!)

Aspirante a escritora, Kaoru Koketsu é convidada a conhecer a escritora que lhe inspira, Magami Nanakuse. Levada por entre as montanhas, Kaoru logo é humilhada e capturada. A escritora então revela que a garota servirá como inspiração para seu novo livro, mas para isso ficará presa até desenvolver um tique único. Kaoru se recusa a repetir os padrões dos outros prisioneiros, mas o enclausuramento rompe sua sanidade, deixando-a com corpo rígido e grotesco.

O conto explora a necessidade de pertencer a um grupo — em outras palavras, dependência ou a codependência social. Kaoru se proclama solitária e difícil de lidar; no entanto, anseia por esse contato com a escritora que tanto admira. Mesmo sendo humilhada, ela ainda continua a se relacionar com o objeto de seu admiração, se não para ser aceita, no mínimo para “entender” sua excentricidade. Em curto espaço de tempo, a garota se rebaixa e insinua intimidade com a autora, mas isso só instiga o sentimento do abusador neste curto relacionamento.

Ainda assim, presa enjaulada, Kaoru tenta não atender as necessidades de seu ídolo, mas uma vez entremeada naquele mundo, sua mente cede ao se entregar ao tique único. No fim, aqueles que se relacionam desta forma abusiva se regozijam ao constatar que mais uma “vítima” se esforçou para entrar no seleto grupo, mas foi rejeitada.

“Todo mundo” muito “diferente”.

A Mulher Que Sussurra (com spoilers!)

Mayumi é uma menina incapaz de tomar as decisões sozinha. As opções ao deitar-se, comer ou se vestir são martirizantes para a garota. Até que Mitsu, uma acompanhante contratada por seu pai, consegue lidar com suas dúvidas e a acompanha dizendo tudo que precisa fazer durante o dia. Sem parar e por meses, Mitsu dava instruções para Mayumi por todo o dia e se sentia feliz através da felicidade da jovem. No entanto, a acompanhante morre vítima dos abusos de seu companheiro, mas isso não abala Mayumi, que agora “vive” “sozinha”. Então, certa noite, a garota chega em sua casa suja de sangue após matar Aga, o antigo companheiro de Mitsu.

Sem sombra de dúvidas, é uma história de dependência e abuso, que transcende a vida da abusadora. Ideias sutilmente “sussurradas” em uma mente frágil e dependente que culminam e um relacionamento abusivo entre acompanhante e acompanhada. Mitsu não conseguia se desvencilhar de seu relacionamento abusivo (não se sabe por que) e, portanto, refletia o comportamento em sua relação mais próxima.

Para agora não. Compra mais um mangá do Junji Itō. Compra, vai…

Por enquanto, o fim…

…mas ainda não exploramos nem um décimo do potencial de Junji Itō. Este foi somente um compilado inusitado de análises da obra deste autor aterrorizante. Ainda temos: Souichi, Mimi, Calafrios, Frankenstein, Tomie, Uzumaki, Gyo e outros mais! Podemos conferir mais da obra em filmes, animes ou até em homenagens e referências em qualquer âmbito do j-horror. Um autor completo, que há tanto para entregar para fãs ávidos a receber.

Portanto, continuaremos por aqui em nossa coluna semanal dedicada a todo o terror e horror oriental! Se você gostou, deixe nos comentários o que mais quer ver. Filmes? Animes? Doramas? Na próxima semana iremos escalar um pouco mais o grau do terror. Aguardo vocês por aqui…