No último dia 29 de maio, a Kodansha anunciou em seu site oficial a publicação do mais novo mangá de Hiro Mashina: Eden's Zero. O autor best-seller da editora deve estrear seu novo trabalho no dia 26 de junho nas páginas da revista Weekly Shonen Magazine. Com muito hype envolvido, o novo título será publicado de forma simultânea em cinco idiomas diferentes além do japonês (inglês, chinês, francês, coreano, tailandês) através de serviços de e-reading como Crunchyroll Manga, comiXology e Kindle.
Destaques e novidades à parte, a chamada do novo mangá de Hiro Mashima tornou-se motivo de comentários não pelo seu alcance, mas pelo design do protagonista do mangá. Literalmente um Natsu Dragneel com figurino e cabelos de Gray Fullbuster, se podemos assim dizer.
Essa mescla de características de duas personagens importantes da obra Fairy Tail revela o que já se sabe sobre Hiro Mashima. Ele não tem criatividade nos traços quando se trata de criar personagens. Repete em Eden's Zero o que havia repetido em Fairy Tail, que por sua vez sucedia The Groove Adventure RAVE (conhecido apenas como Rave Master). Mas será isso mesmo?
(Poster de divulgação de Eden's Zero disponível no site da Kodansha)
O fandom otaku inteiro encheu de críticas novo mangá e condenou Hiro Mashima de diversas formas por não apresentar algo de novo em seus traços. Não vou mentir e dizer que discordo em totalidade com o público afinal de contas, Hiro Mashima além de não apresentar algo diferencial em seus títulos possui pouco talento para a criação e continuidade de suas narrativas. Rave Master, por exemplo, sempre recebeu boas críticas (embora tenha sofrido com muitos problemas de licenciamento ao redor do globo) e mesmo assim não possui uma consistência narrativa que nos leve a lembrar de imediato dos objetivos de Haru Glory e Elie, o casal protagonista.
Fairy Tail foi um pouquinho melhor ao ter uma trama bem mais elaborada. Com 63 capítulos, o título revisitou o conceito de mundo mágico do mangá anterior e apresentou um grupo de personagens bem mais carismáticos. Entre as críticas reservadas ao mangá estão as que dizem respeito ao uso abusivo do ecchi em muitos momentos desnecessários. Hiro Mashima possui um lado muito forte quanto a essa abordagem e ao mesmo tempo em que isso atraiu fãs foi motivo de queixas por parte de outros. Mesmo assim a trama de Fairy Tail – mesmo evoluída – pecou em muitas ocasiões com buracos e explicações incongruentes sobre fatos e acontecimentos. Para o bem ou para o mal o mangá foi finalizado sem brilho após dois arcos transitando entre excelente e apenas bom.
Esssa deficiência narrativa de Hiro Mashima poderia ser superada pelo bom uso dos traços do mangá, mas essa constante repetição de personagens acaba que levantando as dúvidas sobre o talento premiado do autor. Isso porque na verdade o público não consegue entender a proposta estética de Hiro Mashima.
Caminhando na mesma linha dele, Shinobu Ohtaka – autora de Magi – iniciou no último dia 30 de maio, também na Weekly Shonen Magazine a publicação de Orient. Seu novo mangá também segue o conceito narrativo do título anterior. Ohtaka parece ter crescido dentro da empresa saindo das páginas da Weekly Shonen Sunday para a maior publicação da Kodansha, mas também foi motivo de alguns comentários (em menor escala é claro) sobre as semelhanças entre suas novas personagens e as desenhadas em Magi.
(Poster de divulgação de Orient, novo mangá de Shinobu Ohtaka)
A discussão acerca dessa "falta de criatividade nos traços" por parte dos mangakás não é de hoje. Na década de 1980 outro autor já era motivo para tais especulações. Seu nome é Masami Kurumada. O célebre autor de Saint Seiya (Os Cavaleiros do Zodíaco) já recebia críticas sobre sua pouca inspiração na hora de criar personagens. Isso porque antes de seu título de maior sucesso ele já havia publicado cinco mangás. O mais conhecido deles, Ring ni Kakero (25 volumes), nos apresentou Ruuyji Takane, um boxeador que nada mais é do um Seiya de Pégaso com luvas de pugilismo. Essa estética se repete em todos os outros títulos do autor.
(Ryuuji e Seiya. Os dois são como a mesma pessoa em mangás diferentes)
O público que pesquisa e realiza crítica sobre o universo dos mangás chegou a batizar essa característica que muitos mangakás assumem em seus trabalhos ao repetirem os design de personagens. Seu nome: Tezuka Star System. Sim! O "Deus do Mangá" Ozamu Tezuka teria sido o precursor desse conceito de desenho repetido até os dias de hoje e mal interpretado por leitores de mangás.
Buscando uma forma de popularizar seu trabalhos e também dinamizar o tempo de criação sem precisar dedicar-se com a formação de novos designs, Ozamu Tezuka teria inspirado-se no Hoolywood Star System para a concepção de seus mangás repetindo a participação de diversas personagens desenhadas por ele, seja em crossovers internos ou na hora de assumir novas personalidades. O caso mais famoso é o de Shunsaku Ban. A personagem criada por Ozamu Tezuka foi tratada como um ator real (com direito a salário e tudo!) que assumia papéis nas produções do mangaká sendo os mais conhecido o do Detetive Moustachio, em Metropolis (1949) e Astro Boy (1952-1963).
(Presente em diversos momentos da obra de Ozamu Tezuka, Shunsaku Ban é um ícone do Tezuka Star System)
O Tezuka Star System assume que as personagens desenhadas são atores baseados num modelo de contrato da década de 1940 no cinema hollywoodiano onde diretores ou estúdios cinematográficos detinham o direito de imagem de atores e atrizes que assinassem com eles, assim estes só poderiam participar dos filmes produzidos por seus contratantes com risco de multas caso o acordo fosse quebrado. O sistema veio a derrocada em 1948 quando a Justiça dos Estados Unidos proibiu essa forma de contrato e as estrelas de cinema passaram a ter relativa autonomia na negociação de seus contratos de trabalho com os estúdios, além de negociar os valores de seus cachês.
No universo dos mangás o Star System foi atribuído a Ozamu Tezuka e ganhou status de conceito ao ser tratado como uma marca de trabalho. O mangaká buscou retratar seus personagens sempre que possível em suas tramas a fim de criar uma afeição por eles, além de lhes poupar trabalho. É dito que mangakás como Masami Kurumada e Hiro Mashima se inspiram nesse método de produção. Hiro Mashima, no entanto, diz ser influenciado pelo trabalho de Akira Toriyama, que embora mantenha um tracejado muito similar em suas produções clássicas como Dr. Slump (1980-1985), Dragon Ball (1984-19995), Dragon Quest (1986) e Chrono Trigger (1995), o mangaká não recicla suas personagens e sempre se preocupou em criar novos perfis e designs.
Outro nome que tem a mesma preocupação de Akira Toriyama é Rumiko Takahashi, que nos apresenta um tracejado similar em Ranma1/2 (1987-1996) e InuYasha (1996-2008), mas que construiu design de personagens distintos.
A similiaridade no traço do mangá é inevitável, pois um mesmo artista não tem a obrigatoriedade de se distanciar daquele estilo de desenho que lhe pareça mais confortável ou condizente com a narrativa que busca retratar. Exemplo atual que pode ser citado é Shun Saeki (Shokugeki no Souma), que advindo no cenário do hentai mangá manteve sua proposta de desenho cheio de erotismo em um shonen mangá com narrativa de drama, aventura e comédia sem esquecer seu estilo já consagrado.
Encerro dizendo que se existe quem faça crítica aos mangakás que "repetem" personagens em seus mangás é porque não há uma motivação em estudar um pouco mais da história deste segmento midiático-artístico-literário oriundo do Japão. O Tezuka Star System, assim como muita outras contribuições do "Deus do Mangá" fazem parte da história e da característica do gênero mangá. Se a gigante Kodansha se sente a vontade em dar espaço para Hiro Mashima e Shinobu Ohtaka, quem somos nós para criticar? Mangá é acima de tudo venda. Se vende e é sucesso não importa o traço. Importa é que mantenha os lucros.
Até a próxima e… Sayonara!