Yo! 

Fevereiro já está para lá da metade, mas a coluna Hikari não morre nunca! No mês passado nós falamos de um filme muito legal que eu acompanhei e decidi compartilhar com vocês. Foi A Princesa e Piloto (Madhouse/TMS) que nos proporcionou começar 2017 com a leveza de um amor nascido em meio a muito drama.

Mantendo a proposta de analisar um título do cinema de animação nipônico contemporâneo, para este mês falaremos de Ookami Kodomo no Ame to Yuki, que aqui no Brasil ficou conhecido apenas como As Crianças-Lobo.

Ookami Kodomo é um filme daqueles que você decide assistir numa noite fria enrolado nas cobertas enquanto a chuva cai majestosa lá fora. Um chocolate quente ou uma pizza bem quentinha podem acompanhá-lo nessa catarse. Mas falemos do filme.

Produzido pelo Studio Chizu com co-produção do Madhouse (que se mostra mais uma vez como uma grande produtora de filmes longa-metragem), a película foi lançada em 2012 e conta a história da jovem universitária Hanna, que tem que abandonar a vida na Grande Tóquio para ir morar com seus dois filhos no interior do Japão a fim de criá-los longe de possíveis olhares curiosos e acusadores de todos para com suas crias. Isso porque não são crianças comuns, mas sim crianças-lobo.

Um tanto curioso não acha? Pois é. Eu sempre vi alguns memes feitos com as cenas dessa animação, mas ainda não tinha me atentado para acompanhá-la. Decide fazer isso por mim (que sou fã do Cinema de Animação Oriental) e por você que lê isto agora. Completamente fora do hype que filmes do Studio Ghibli sempre tiveram, ou longe do classissimo estampado pelas produções da TOHO Animation, a Madhouse cresceu como companhia especializada em animação de qualidade ao se aliar com produtoras menores que tem bons projetos, mas não tem como bancá-los.

Ookami Kodomo no Ame to Yuki é um exemplo de projeto bem sucedido desde sua estreia. Não é fácil um filme do gênero conseguir sair do Japão para galgar uma estreia mundial. Contudo, essa película fez isso. Isso porque estreou escala mundial no dia 25 de junho de 2012 em Paris. Só depois, quase um mês, foi a vez da estreia nacional japonesa no dia 21 de julho de 2012. O processo inverso é bastante incomum e nada tem a ver com participação de produtores franceses. Acredito que foi uma alternativa do Studio Chizu de mostrar a que veio e também de fazer a Europa e o mundo respirar um pouco mais de Cinema de Animação nipônico de qualidade.

A direção e argumento é toda do cineasta Mamoru Hosoda (que também é conhecido pelos filmes Summer Wars e Toki wo Kakeru Shoujo). O character design é de Yoshiyuki Sadomoto (de Evangelion), o que nos faz achar os traços tão familiares à primeira vista. Com esses dois nomes na equipe já dá para imaginar que o filme tem seu brilho.

Agora falaremos sobre a película em si. Para falar a verdade, achei esse filme muito Bonito. Caso não saibam o Bonito é uma categoria estética utilizada pelo filófoso francês Étienne Sauriau, famoso pelos seus estudos no campo da Estética: ramo da filosofia que tem como objetivo o estudo da natureza e da beleza e dos fundamentos da arte. O filósofo determinou uma classificação das categorias estéticas para avaliação de uma obra de arte. O Bonito se enquadra no que ele define por categoria estética romântica. Seria uma definição para a obra de arte que aborda a beleza e a dramaticidade (no caso de narrativas) sem deixar que os pontos visuais sobressaiam sobre os demais elementos tornando-os mais importantes que tudo.

(Hanna e Ookami compartilham o melhor da vida a dois cheia de amor e respeito)

 

Em Ookami Kodomo não é o design que nos prende a narrativa. É a narrativa em si, que é Bonita, pois parte de um plot simples, mas contemplativo que nos convida a querer acompanhar o desafio que será vivido por Hanna. Mas que desafio é esse. Bom, Hanna se apaixona por um yokai metade homem, metade lobo (sim, uma referência ao mito dos mononoke, homens-lobo das história japonesa) chamado apenas como Ookami (sugestivo não?). O amor floresce entre os dois e mesmo sabendo que seu amado não é alguém normal ela não o abandona. Esse é o primeiro ponto positivo do filme para os românticos. A vitória do amor sobre qualquer circustância.

Entretanto, logo em seguida temos uma virada drástica. Hanna – em uma acelerada do tempo – teve dois filhos. Yuki (uma menina nascida durante a tempestade de neve) e Ame (um menino nascido num dia de chuva). Ambos nascidos por parto normal dentro de casa, pois Hanna tinha medo que eles nascessem lobos e o seu segredo fosse revelado. Até então nada de inesperado. O plot twist acontece com a morte do pai das crianças, que movido pelos seus instintos de proteger a família saiu para caçar e acabou morto de forma ingênua.

Hanna sabia que seria difícil viver com duas crianças meio lobo em uma metrópole feito Tóquio sendo que ela não saberia conduzi-los a sumprimir suas formas selvagens. Sem emprego, com a faculdade trancada… A solução foi ir morar no interior e começar uma nova vida.

Daí por diante acompanhamos os dilemas da jovem junto dos filhos que crescem livres entre as duas naturezas que possuem: humana e animal. Hanna conta com a ajuda dos novos vizinhos para viver sua nova história. Sempre escondendo o segredo dos seus filhos, mas na busca pela felicidade. Tanto Ame quanto Yuki (que narra a história para gente desde o início) crescem e deixam de ser os bebês amados para ser adolescentes impetuosos em seus maneirismos.

 

(Na infância Yuki era hiperativa enquanto Ame era muito passivo)

 

Yuki se socializa mais e opta por viver como uma garota humana e suprimir sua contraparte selvagem. Ame segue caminho diferente e se aventura pela selva da região e se torna um exímio lobo. Hanna tem que lhe dar com as escolhas dos filhos, assim como teve que lhe dar com sua própria escolha quando decidiu amar um lobo. Ela sabe que não pode pará-los, mas ainda os enxerga como os dois bebês preciosos que viu nasces, além de encontrar neles o refúgio para as lembranças dolorosas causadas pela morte de seu amado.

As lições extraídas da narrativa são impactantes. Mesmo parecendo que foram quase duas horas de um slice of life e drama sem um final fechado (sim, o filme não tem um final conclusivo, apenas nos mostra o momento em que Yuki e Ame decidem os caminhos que querem seguir) ele tem um conceito preso a seus diálogos e narrativas.

O primeiro conceito é o de família. Não importa o quão diferentes somos uns dos outros. O que importa é como nossa família nos enxerga e como compartilhamos nosso amor com os entes queridos. Nem mesmo as mais dura intempérie pode abalar uma família que está unida.

(A vida no campo não foi fácil, mas eles conseguiram porque estavam juntos)

 

O segundo conceito é o de maturidade. Não tem como não se ligar nisso ao assistir esse filme. Ookami Kodomo fala da noção de maturidade. Assim como as crianças-lobo nós também vivemos fases de mudanças. Um dia podemos ser mais homens e em outros mais lobos. Yuki amava ser loba, ma decidiu ser humana. Ame só queria ser humano, mas acanou optando por viver como lobo. Isso se chama de processo de maturidade. Precisamos nos conhecer bem e conhecer o que nos faz bem para decidirmos o que queremos ser. No mundo real podemos não ter uma personalidade racional e uma animal, contudo isso não significa que não tenhamos incertezas sobre a vida. A juventude é a fase da incerteza e devemos apreciar ela de todas as formas com o objetivo de descobrir nesse processo o que realmente queremos ser. Devemos considerar nossas escolhas, pois elas nos afetam e afetam os nossos próximos.

O terceiro conceito é o de felicidade. A tão esperada felicidade é uma efemeridade. Ela vem e vai, pode demorar ou não. Ele existe, mas nem sempre é conquistada fácil. O que importa é que devemos vivê-la intensamente enquanto estivermos com ela. Assim como Hanna viveu seu amor, e assim como ela viveu a criação árdua e cheia de perigos de suas duas crianças-lobo. A felicidade nesse caso é viver sem arrependimentos.

Bom, chega ao fim mais uma análise da Hikari. Como considerações finais só tenho a dizer que este é um filme que acalenta o coração e que pede para ser reassistido sempre. O sucesso do filme é mediano, tanto que ele ainda gerou duas light novels e um mangá como adaptações da história. Ookami Kodomo no Ame to Yuki era o principal filme de Mamoru Hosoda até 2015, quando o cineasta lançou Bakemono no Ko, que foi a segunda maior bilheteria dos cinemas japoneses em 2015 superando o título aqui analisado.

Assim como da última vez eu deixo aqui uma versão do filme que está disponível no YouTube. Esse filme também foi dublado em uma versão brasileira. Assista:

 

Sayonara!