Conto de GreyJoy –  Parte 1 – Shiki no Uta

-Você está demitido!- Foi a última frase que ouvi antes de minha vida acabar a muito tempo atrás, cerca de um minuto e meio pra ser exato. Trabalhar em um escritório durante toda minha vida medíocre, olhar pessoas de todos os jeitos passarem pela minha mesa, apenas escutar reclamações de suas vidas, mal notavam que estavam passando por problemas mínimos. 

Sentir o cheiro horrendo exalado pelo ar condicionado daquele vão lotado de ramais era o menor dos meus problemas durante 5 anos, chegar todo dia as seis da manhã  e sair depois das oito, também fora o menor dos meus problemas. Tais pensamentos reflexivos sobre minhas dificuldades estavam passando por minha cabeça nesse um minuto e meio que antecederam minha morte.

GreyJoy! – O grito do meu chefe, um ser que aparentava estar possuído a todo momento, sua face fechada repleta de rugas e coluna curvada, aparentando estar carregando um prédio de nove andares no centro de São Paulo, andava até minha mesa com duas pastas na mão. Recitando meu nome diante de todo o vão do andar. As dezenas de pessoas atiçavam seus olhares para mim.  Cobras curiosas.

Ali todos procuravam passar na frente um dos outros e eu tentava me sustentar sem a comissão de 50% para cada cliente que o funcionário extrair o valor real do que esta sendo cobrado. O som das pastas batendo na minha mesa de madeira branca e do meu celular saltando e caindo ao chão rachando a tela touch, da qual estava terminando de pagar as suadas prestações, me retiravam do momento de sonolência.

Meu coração acelerava, a raiva percorria meu corpo e o brutamontes careca curvado me fitava com as narinas ofegantes. Olhando para o meu finado celular, eu tentava manter a calma, abusos sofridos durante 5 anos, desde meus 18 trabalhando em tal local.  – Olhe para mim quando estiver falando com você! – Gritou meu chefe, Carlos,  socando a mesa de madeira. Lentamente eu voltava meu olhar para ele quando o som do toque do meu celular retirava o silêncio aterrador. Uma foto, identificando a chamada. “Minmi”, pensei vendo a jovem japonesa da qual conheço desde meus 18 anos.

– O que acha da sua vida? – Perguntou ela no dia anterior. Tomávamos café da manhã em uma cafeteria perto de sua casa. O tempo estava nublado, eu via todo dia seu sorriso que me animava para tentar vencer o trabalho, mas naquele momento, sua face estava caída.

– Boa…- Respondi confuso com sua pergunta. Ela apertou a xícara de café olhando para meu reflexo no vidro da mesa.

– Sua vida não é boa! – Gritou Minmi. Seu tom de voz abaixara repentinamente ao notar que a garçonete a olhava segurando o bule de café.  – Você se apóia na minha felicidade. Vejo você parado, não querendo crescer na vida! Acha que não sei que me ama?! – Sua declaração me espantara, seus olhos castanhos escuros me olhavam com pena e tristeza. O silêncio havia tomado conta da lanchonete e seus sussurros para mim eram como balas atravessando meu corpo.

– Desde quando sabia?– Perguntei olhando para as nuvens fechando cada vez mais o céu de São Paulo.

– Desde sempre. – Afirmou tocando seus dedos com a xícara branca de café entre suas mãos pequenas e sedosas. – Há cinco anos, eu desejo você Grey, quero casar com você, mas não vejo o mesmo homem que conheci há 5 anos, onde sempre procurou vencer seus obstáculos. Parou de tentar vencer meu pai há muito tempo. – Ela se aproximava de mim apoiando-se a mesa com os cotovelos, seus olhos desejavam meus lábios, mas em sua cabeça algo não a deixava fazer isso.

– Como sabe que eu tentei pedir ao seu pai?– Perguntei lembrando-me de quanto tempo eu lutara para conseguir a aprovação de seu pai para que eu pudesse pedi-la em namoro. Tudo em vão.

– Grey…– Ela chamava meu nome olhando para suas pernas. Voltando a encostar na cadeira acolchoada, Minmi segurava suas lágrimas. – Eu irei fazer meu ultimo show no bar.– Admitiu enquanto olhava para as nuvens.

– Está desistindo do sonho de ser cantora?– Perguntei incrédulo.

– Eu irei voltar ao Japão! – Sua declaração me dera um frio na barriga. Comecei a suar frio. Tentei voltar meu olhar para as nuvens negras do centro da cidade. Havia meses que não chovia e a tristeza de Minmi estava estampada em seu rosto. Sua vida no Brasil havia acabado e eu não criara motivos para ela ficar. Sua decepção estava encarnada em um homem jovem com o olhar cansado que já desistira de subir na vida.

-Eu não irei deixar! – Gritei levantando-me. Era a primeira vez em tanto tempo que eu tomava uma atitude e também a primeira que eu levantei minha voz a pessoa que tanto amei.

– Prove então. – Falou deixando o silêncio tomar conta do café. Ela pegara sua bolsa e guarda-chuva, do qual não iria usar. Parando no corredor, olhava para a porta querendo voltar e olhava para mim. Tentando negar seus sentimentos ela balançava a cabeça fazendo um “não”. –  Meu último show é amanhã, logo depois irei pegar o vôo para Tóquio. – Tocando o celular no bolso de seu vestido longo e florido, ela sentia o vibrar do toque de seu pai ligando para ela. Sem olhar para mim, Minmi tocava a maçaneta da porta de vidro do bar “Café Otaku”.

–  Não posso sair do meu traba-

– Então você não me ama! Está apenas tentando criar um amor para sustentar seus desejos! – Saindo do Café ela parava na esquina da rua tentando não olhar para mim. – Não me procure mais! Eu já desisti de tentar amar você. Perdeu seu tempo! Não teve a iniciativa! Nunca procurou tentar me conquistar! – Ela estava chorando, me aproximando dela eu passava meu braço acima de seus seios e apertava contra meu corpo. Sentindo meu calor, Minmi respirava profundamente ao ver que eu tentava tomar uma atitude.

– Saia! – Gritou tomando consciência de que estava  cedendo. – Eu não posso mais. – Atravessando a rua, seus passos estavam mais firmes eu tomava ar em meus pulmões.

– Prove para mim que ainda me quer! E irei tomar uma atitude que jamais viu! Apenas me ligue antes do seu vôo e irei vê-la!

-Greyjoy! Olhe para mim enquanto eu estiver falando com você! – Dando um soco na mesa novamente, tudo caia. A tela do computador que assistira minha vida durante os últimos 5 anos, caia rachando o vidro sujo, manchado pela poeira. Todo o andar levantava o olhar entre os ramais para ver a situação, somente o som da impressora no fim da sala retirava o silêncio curto. “Irei tomar uma atitude!” lembrei-me do dia anterior.

A ligação de Minmi estava no fim quando tocando o dedo no celular eu atendia. Segurando firme eu olhava para o meu chefe enquanto escutava o som ofegante da moça do qual tanto amo. Era a respiração antes de subir ao palco.

– Grey….-

– Estou indo.- Apenas falei isso. E ela começava a acalmar.

– Eu…- Sussurrou a jovem japonesa estando próxima ao palco. O som do pequeno bar no qual eu me reunia com ela e alguns amigos fora o inicio de tudo. Com uma respiração profunda eu notava sua falta de diálogo comigo, conhecendo-a a tanto tempo eu sabia o que queria dizer, .

– Chegarei logo- Afirmei olhando para o meu chefe vermelho de raiva. Desligando o telefone eu colocava o aparelho com a ponta da tela rachada no bolso da calça social. Pegando minhas coisas caídas ao chão, eu tentava não olhar para o homem que oprimira minha pessoa durante cinco longos anos. As veias de seu pescoço saltavam e seus dentes rangiam desejando por as mãos em meu pescoço. Saindo do meu ramal eu caminhava passando ao seu lado indo em direção ao corredor do elevador.

– Volte aqui! – Gritou em seu tom de voz grossa temida pelos funcionários. Sem ligar eu caminhava e não olhava para trás, colocando a mão esquerda no bolso da minha calça, tocando a tela rachada e sentindo o relevo do cristal da tela touch. – Seu merda você não é nada!  Volte logo a esta mesa e prepare os papéis! – Eu estava começando a importar somente comigo mesmo, não era egoísmo, era auto-estima. – Você vai voltar para aquela japonesa de merda? Aquela vadia não é nada! –.

Os sussurros do andar encerravam. Eu parava meio ao corredor olhando a face do meu chefe que sorria vendo que conseguira o que queria. Eu voltava a mesa de cabeça baixa. Meu andar de derrota era o gosto de vitória na boca de meu chefe. Os sussurros dos seres sibilantes nos ramais do andar voltavam a caçoar de meu ser fraco. Parava em frente ao homem alto  velho com a face enrugada.

Seu sorriso me dava nojo, seu abuso era um veneno assim como os sibilantes da empresa. Eu estava derrotado, não havia mais motivo para nada. – Se fizer isto de novo, estará demi– Segurando sua gravata eu o puxava para baixo levantando meu punho em seu queixo. Subindo e levando sua cabeça para trás o brutamonte careca e curvado caia no chão do ramal segurando sua mandíbula.

Respirando profundamente eu sentia o ar de liberdade e respeito por parte das cobras que tanto me atormentaram. Seus medos e olhares se desviavam ao me ver focando-os no extenso corredor. Andando novamente eu colocava meus fones de ouvido. “Zetsubou Bily”. Música que gostava de ouvir e este era o momento perfeito para ela. Entrando no elevador eu avistava meu ex-chefe de joelhos se levantando com a ajuda de outros funcionários.

Sua face em raiva carregava um grito que iria ecoar como um rugido de euforia em meus tímpanos.  – Você está demitido! –  As portas do elevador se fechavam e com um sorriso de canto de boca eu estendia meu dedo médio para ele.

Tocando-me do que precisava ser feito eu saia do prédio e o estrondo das nuvens  dera o inicio à chuva. A música acabara e em minha mente eu escutava o som do violão, o engolir seco da garganta de Minmi se aproximando do microfone. O bar estava a quatro quarteirões do meu trabalho, a chuva estava começando a ficar forte, minha gravata estava ensopada e eu desviava das pessoas andando lentamente com seus guarda-chuvas pontiagudos.

Atravessando a avenida correndo eu escutava o som do refrão. O bar estava cheio, entrei pelo subsolo onde via uma escada de esquina com um letreiro em azul com cinza piscando. A porta de madeira com espelho redondo era o que eu almejava atravessar naquele momento, ver o sorriso de Minmi tocando as pessoas presentes no bar contornado de paredes em tijolos e mosaico.

Mesas de vidro e ambiente em tons pasteis deixavam o lugar mais propicio ao palco em semi-circulo de frente para a porta de entrada ao lado da mesa do barman. Pisando em uma poça rasa eu acelerava e o som dos aplausos ressoavam em meus ouvidos. Chegando a um quarteirão eu avistava a placa do bar subterrâneo. “JayHero”.

O letreiro piscava em azul e, correndo meio a rua empoçada, eu saltava pulando o meio fio. Olhando para os sete degraus que formavam a simples escada abaixo do letreiro, eu descia no corrimão jogando-me na porta de madeira. Gritos e aplausos formavam o som que ecoava dentro do bar.

Sentada em um banco Minmi terminava de tocar o refrão da bela música que a inspirara a ser cantora. “Shiki no Uta”. Seu sorriso encantador focados pela luz roxa do local a tornava mais bela. Sentada com a perna cruzada e o violão em seu colo ela olhava para mim sorrindo em choros disfarçados dizendo uma simples frase. “Eu te amo” pensei.

– Chegou tarde.- Foi a frase que me tirou do transe.  Disse o dono do bar sentado a mesa com sua calça e camisa social sem gravata. Seus sapatos Ferracini em cima da mesa de vidro e um sorriso que demonstrava interesse em minha pessoa.

– Diga Mafra – Falei sério. O bar estava vazio e o sócio de Mafra me observava com um sorriso. Éramos amigos há muito tempo, mas eu reconhecia quando Mafra tinha uma proposta ousada de negócio em mente. – Onde ela está? – Perguntei sabendo de seu destino.

– Tóquio cara…- Respondeu Gleyson arrumando seus óculos e servindo-me uma bebida.

– Não precisa, eu irei pegar o próximo vôo para-

– Sua passagem já está em minhas mãos.- Disse Mafra retirando o passaporte.

– Não preciso de sua ajuda. – Afirmei espremendo a gravata e tomando a bebida no balcão.

– A questão é… Como irá provar a ela, ou ao pai dela, que você é realmente um homem que valha a pena? – Seu questionamento trazia o silêncio fúnebre ao bar fechado mais cedo.

– Não importa eu vou – Tocando meu braço, Gleyson olhava para mim.

– Escuta ele. Talvez vai ser bom pra você-  Afirmou arrumando seu cabelo. Voltando meus olhos para Mafra eu o via de pé olhando para o microfone.

– Quero que vá em 3 lugares em Tóquio, é caminho para a casa de Minmi.- Andando lentamente ele se apoiava no balcão de mármore enquanto Gleyson sorria pacificamente para mim.

– E fazer o que nesses lugares?

– Apenas 1 favor a cada dono, é simples e prático.

– Não preciso disso, irei para Guarulhos.- Deixando o copo no mármore eu via a face de Mafra sorridente com a proposta. Tocando a porta de madeira, Gleyson saltava sobre o balcão tocando meu ombro me empurrando para fora. Guiando-me até a escada ela continha em suas mãos a passagem.

– Às vezes, precisamos tomar um caminho que não queremos para nos tomarmos pessoas melhores. – Falou levantando a gola do casaco de couro, estávamos na chuva e eu só queria tomar o próximo avião.

– E isso exige fazer favores ao Mafra?

– Você faz se quiser Gey! Um homem precisa ver os caminhos que ele deve tomar antes de agir cegamente em relação ao amor! – O silêncio tomava a escada, gotas da chuva percorriam minha roupa, Gleyson me observava com raiva, seu braço estendia-se me entregando a passagem que tomava 3 gotas antes de segurar com minhas mãos. Com um sorriso ele dava as costas voltando ao bar.

– Ainda tocando o JeyHero né?

– Ainda vai ser o melhor bar daqui.- Comentou

– Já é.- Olhando para a chuva forte eu pegava o táxi mais próximo. Meu caminho estava traçado e Minmi estava no fim da trilha.

 

Epílogo

– Na próxima vez, não trate seu amigo como um cliente, sabemos como você é. – Gleyson pegava as chaves de sua moto olhando para Mafra que respirava fundo com um sorriso incomodador. – Para quem você o mandou? –

– Não vai querer saber.-

– Diga – Questionou fechando o punho, sua paciência dificilmente se esgotava, Gleyson apenas provocava o seu parceiro de negócios.

– Eu o mandei para a Ruiva.-

– Você não fez isso.-

– Ah, eu fiz…- Com um sorriso no rosto, Mafra fitava os fones de ouvido deixados por um cliente no bar. Seus planos estavam indo de acordo. Gleyson saia preocupado e tocando a porta com a mão esquerda, Mafra sussurrava algo que achava que o seu parceiro não iria ouvir. – Agora as coisas são do jeito e do gosto dele.