Olá, pessoas que, espero eu, não ficam compartilhando cartas abertas de gringos ao Brasil no Facebook e concordando com absolutamente todas as besteiras ditas por ele em suas timelines. Como estão?

Eu estou numa vibe tão boa e contagiante que, vejam só, após mais de 10 meses longe desse formato, decidi retornar com as tão icônicas, cataclísmicas e controversas resenhas de álbuns aqui na coluna. Portanto, a partir dessa semana, junto com os já habituais resumos do que rolou de melhor no mês e alguns dos destaques que julgo mais relevantes dentro da cena musical oriental, tratarei de dar meus dois centavos a respeito de alguns dos LPs e EPs que soltam lá do outro lado do planeta, assim como relembrar uns que, sabe-se lá o motivo, acabaram não recebendo a devida atenção quando lançados – o caso do escolhido de hoje.

É improvável que vocês não conheçam o Perfume. Mesmo que através de algum programa aleatório da MTV Brasil, ou por algum vídeo que circule em outros blogs, esse trio é um dos atos orientais de maior alcance entre os fãs de J-Pop aqui no ocidente, muito pela sonoridade que fica num limiar entre o estranho e o palatável ao mainstream, também pelos videoclipes agressivamente criativos.

Seu quarto álbum de estúdio, o Level 3, foi lançado em 2013 e, assim como todos os seus anteriores, foi produzido pelo Yasutaka Nakata, membro do grupo Capsule e também a pessoa por trás de outro ato nipônico tão adorado internacionalmente: a Kyary Pamyu Pamyu. Logo, é fácil esperar que uma linha de Eletropop remetente à trilhas sonoras de videogames 16-bits impere durante todo o LP. 

A loucura já começa em taxas esquizofrênicas com a maravilhosa Enter The Sphere, que oscila entre elementos de RPGs de Super Nintendo a la Chrono Trigger e Final Fantasy e algo Techno que ouviríamos em raves – ou nas Jovem Pans da vida no início dos anos 2000, tanto faz -, marcando de cara qual será a atmosfera em que estaremos envolvidos durante as próximas faixas.

Tal ideia se confirma na album-mix de Spring Of Life, um Dance absurdamente animado e repleto de teclados, cuja ponte lá por 4:00, é de um êxtase tão grande a ponto de nos imaginarmos dentro de uma fase de Kirby, nos transformando em bolinhas rosas que engolem os inimigos apenas para nos transmutarmos e adquirirmos seus poderes.

Outro destaque está na sensacional album-mix de Magic Of Love, que tem um dos refrãos mais grudentos de toda a carreira do trio. Uma pena não terem usado isso como OST para algum shoujo magical girl, pois é essa a sensação que tenho toda vez que escuto a faixa. Quase dá para ver um grupo de meninas colegiais se transformando em heroínas de cabelos coloridos ao som disso aqui…

Após a maravilhosa explosão de açúcar, de maneira surpreendente, temos uma mudança brusca de sentimentos em Clockwork, onde elas recitam de maneira robótica – e sinistra, quase assustadora – sobre o quanto tem poder em suas mãos usando a metáfora de um relógio mágico: “O Senhor Relógio sorri / Enquanto eu giro as suas engrenagens / Ele quer que eu continue a girá-lo / Porque ele ainda não está em seu limite / O sorriso do Senhor Relógio nunca muda / Mas nós sempre podemos mudar o mundo / Com o seu botão” – tudo isso num instrumental sombrio que lembra New Wave e Brit Techno.

E então, chegamos ao ápice do CD…

1mm deve ser a melhor música lançada pelo Perfume até hoje. Ou, pelo menos, a minha favorita. A delícia começa com uma bateria que logo dá lugar aos sintetizadores eletrônicos que vão servindo de cama para diferentes elementos sonoros ao longo da track, sendo eles uma fucking gaita de fole que leva tudo para um nível de explosão mental que só os melhores na música eletrônica conseguem me fazer alcançar.

E isso tudo acontece ainda antes das gatas começarem a cantar uma das suas letras mais viajadas em anos, soando como um mantra sobre abandonar seus amores inúteis em busca de uma realidade alternativa antes inimaginável. Os versos rápidos absolutamente funcionam e há toda uma malemolência na maneira como eles são entoados, dando uma impressão de urgência que deixa a música com uma carga dramática excelente.

Diminuindo um pouco o ritmo, temos a gostosinha Mirai No Museum, que é um Dance Pop divertido e muito bem ilustrado pelo clipe em animação acima. Talvez seja idol Pop demais em comparação com as faixas anteriores, mas ainda tem seu charme por conta dos sintetizadores de Game Boy Color que pintam após cada refrão. Em seguida, somos todos transportados para Ibiza com a tosquíssima Party Maker, um EDM sem vergonha com mais de 7 minutos sobre como elas fazem as melhores festas e colocam todos pra ralar até o chão.  

O nível volta a subir na introspectiva Furikaeru to Iru yo, cuja bateria eletrônica prevalece, servindo como fio condutor para os efeitos de teclado e acréscimos de instrumentos folclóricos japas. São mais de 6 minutos de faixa que passam de maneira maravilhosa, sendo outro dos destaques em meio ao LP. E então, temos Point, um Drum’n’Bass adocicado que cairia como uma luva na trilha sonora de Steven Universe.

Daijyobanai, Handy Man e Sleeping Beauty são outras três maravilhas eletrônicas que apostam na estranheza maior chamariz, sendo a segunda um pouco mais soturna e pegajosa, ou, basicamente, sendo uma soundtrack de Megaman X remixada com as meninas cantando sobre não estarem se dedicando ao cara que elas estão a fim… 

Chegando na reta final ainda com muito fôlego, temos a album-mix de single Spending All My Time, que acaba não sendo tão divertido quanto o original do MV abaixo, mas não é de se jogar fora, e a icônica Dream Land, que eu quase pulo toda vez que aparece no shuffle do meu celular, visto sua introdução ser igual a um toque de celular. Felizmente, ela adquire toda uma pegada surrealmente épica conforme vai crescendo. Um final perfeito para o álbum, deixando aquela impressão de que tudo foi uma sensacional aventura futurista de RPG Cyberpunk…

Os lançamentos do Perfume costumam se dividir em eras onde elas juntam o singles e b-sides soltos anteriormente com mais algumas canções inéditas e formam um LP completo. Pode parecer algo preguiçoso ou genérico, entretanto, no fim, temos um delicioso álbum de Synthpop que, com exceção da horrorosa Party Maker, segue uma linha futurista estranha, com sintetizadores que até soam gamers, quase nerds de tão retrôs em seus elementos, mas que funcionam da mesma maneira para as pistas de dança ou montagens em vídeo de fãs de jogos ou animes.

Quantos CDs Pop atuais conseguem tal façanha?