Você já usou algum serviço on demand para acompanhar os streaming dos seus animês prefereridos alguma vez? Crunchyroll, Daisuki, Funimation, Netflix, Amazon… Dentre esses há algum serviço que lhe agrade? Ou nunca teve interesse em descobrir como funciona? Bom, se você é daqueles que só acompanha através das nossas amadas equipes de fansubs (a quem devemos muito!) ou prefere comprar mídias como DVD, Blu-ray (caso seja refinado demais) essa é a oportunidade para parar e refletir um pouco sobre essa mudança no modo como nós otaku consumimos animês.
Não mais uma experiência e sim uma uma realidade no modo como os otaku, a indústria e as mídias interagem, os serviços de streaming on demand são a nova forma de produzir e consumir o produto midiático japonês mais exportado para o mundo: os animês. Já estão definitivamente presente em nosso cotidiano. Salvo nos favoritos do navegador do seu PC, no app instalado em seu smartphone, nas páginas virtuais de blogs, sites e redes sociais que falam sobre Cultura Pop Japonesa e Cultura Otaku, além de estarem presente diretamente nos eventos e convenções onde o mundo geek se reúne esses serviços são sem dúvida os novos ditadores da indústria de animês. Pelo menos para o mundo fora do arquipélago nipônico.
Quem acompanhou essas últimas semanas viu a repercussão que serviços como o Crunchyroll e Netflix apresentaram ao tratar a respeito de suas estruturas de usuários ou catálogos de conteúdo. Para começar vamos falar do Crunchyroll. Na última sexta-feira (18) o serviço público em seu Twitter – e logo após em formato de notícia em seu site oficial – um mapa inforgáfico que mostra quais os animês mais assistidos por seus usuários em todas as três Américas durante os lançamentos do Verão 2017.
Um animê em especial chamou a atenção: GAMERS!. A produção do estúdio Pine Jam estreou no dia 13 de julho e vem liderando, segundo o Crunchyroll, o ranking dos mais assistidos desta temporada na plataforma. Ao todo onze países e um território nacional aparecem no infográfico sendo representados pelo animê. Confira:
Conforme pode ser visto um total de doze países que incluem Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Ilhas San Martin, México, Peru, Uruguai e o território da Groelândia são os locais onde GAMERS! é a preferência. Seguido de perto por Hajimete no Gal (10 países) e Yokoso Jitsuryoko Shijou Shugi no Kyoshitsu e (09 países). Figuram na lista ainda Isekai wa Smartphone no Tomo ni (04 países), Knight's & Magic (03 países), Tsuredure Children (02 países), Kenppeki Dashi! Ayoyama-kun (02 países), CRHONOS RULER (02 países), Katsugeki TOUKEN RANBU (01 país) e Isekai Shoudou (01 país) e SAYUKI RELOAD BLAST (01 país). Com exceção de Cuba, todos os países são contemplados no mapa.
O destaque de GAMERS! nos leva a uma conclusão inicial sobre o perfil do otaku americano. Atualmente sua preferência gira em torno do slice of life do subgênero lovely comedy (vida cotidiana – comédia romântica). Gamers! se encaixa nessa definição por se tratar de uma trama sobre um amor adolescente cheio de mal entendidos e situações completamente cômicas. Seu destaque é a referência ao mundo dos jogos e ao estilo de vida de muitos jovens japoneses que são antissociais demais. Sua abertura é uma grande homenagem a franquias japonesas de games como Street Fighter, Super Mario e Final Fantasy e conta com uma batida referência ao som 8bits. Somente por isso o animê é o mais assistido do continente no Verão 2017.
GAMERS! chama a atenção também para o boom dos slice of life nos últimos anos. Não foi do dia para a noite, mas as adaptações de mangás e light novels – principalmente light novels – para o universo animado vem levando mais e mais em conta a proposta do slice of life – lovely comedy. Isso é meio que uma tendência. Até o final do ano passado o boom pertenceu ao subgênero isekai que teve bons representantes como Sword Art Online, No Game No Life e Re:Zero, por exemplo. Mas o esgotamento dos isekai é algo visível, tanto que empresas como a Kadokawa já realizaram concursos de light novels onde o subgênero foi descartado de cara pelas regras de participação.
O boom dos slice of lifes é apenas mais uma tendência que ficou muito em enfâse nesta temporada de verão. No ranking da Crunchyroll o pódio pertence ao gênero, com diferença apenas do terceiro colocado que não é uma lovely comedy. Isso nos leva a crer que – ao menos no Ocidente – o otaku vem dando preferência por dinâmicas de narrativa não tão complexas em termos de estruturação de personagens e poderes, mas sim de conflitos e vivência mais próximas do mundo real (mesmo que de forma caricata e às vezes muito particular ao estilo de vida japonês). Mostra também que a nova geração – que consome pela web através de canais oficiais ou fansubs – já não é mais guiado pelo que é apresentado pela TV, mas se baseia muito mais nas discussões e sugestões pertinentes ao fandom.
Voltando ao gráfico….
Deve-se considerar antes de aclamá-lo com louros que o infográfico só trata das estreias do verão e descarta animês de grande público presente no catálogo do Crunchyroll como One Piece, Dragon Ball Super e Boruto: Naruto Next Generation. Outro fator que se deve considerar é que o inforgráfico não detalha essa preferência em números. Se pergarmos um país como o Brasil, por exemplo, considerando sua população total que ultrapassa os 200 milhões fica o questionamento: Quantos milhões dessa população assinam o serviço de streaming on demand do Crunchyroll? E qual porcentagem deles consome o animê GAMERS!? Lógico que por escolha o marketing da empresa não divulga isso, e busca apenas retratar de forma ilustrada para usuários e investidores o seu alcance territorial e midiático dentro do mercado.
A estratégia do Crunchyroll não é muito diferente da Netflix, que duas semanas atrás fez um escarcéu na web ao anunciar em um evento oficial no Japão o remake da série Saint Seiya para uma versão em 3DCG em seu catálogo. Denominado Knights of the Zodiac, a nova adaptação do mangá de Masami Kurumada foi o marketing final da empresa para deslanchar de vez entre o público consumidor de animês como um canal apto para isso. Não é de hoje que a Netflix vem trabalhando com animês tanto que vem lançando títulos exclusivos em seu catálogo como fez com Castlevânia recentemente, ou vem trabalhando com enredos originais como foram os casos de Blame!, Perfect Bones e Children of Ether, esse último não muitos dias atrás.
O catálogo de animês da Netflix só cresce a cada temporada e a empresa já consquistou uma nova cartada ao anunciar a exibição com exclusividade do já badalo e aguardado Violet Evergarden, que passará a se encontrar na lista de animês da empresa logo após o fim da Temporada de Inverso 2018, quando ele terminar de ser exibido no Japão. Na lista estão também Fate Apocripha (que é desta temporada) e outros muitos títulos. Enfim, a empresa descobriu que esse é um filão que rende acessos e tem um público fiel, algo que para a Netflix é essencial. Diferente do Crunchyroll e seus concorrentes a Netflix, no entanto, aposta na aproximação cultural ao ofertar esse conteúdo ao público. É assim como já fez com Nanatsu no Taizai e One Punch Man – que são exclusividades em seus catálogos – onde buscou ofertar esses novos animês também com a dublagem na língua oficial de cada país.
Esse forte investimento do Crunchyroll e da Netflix não é algo tão polarizado como se imagina. Como já foi citado antes ainda existem serviços como o FUNimation, que recentemente foi comprado pela Sony e agora já se especula que a empresa – que antes licensiava para o Crunchyroll – passe a ofertar seu próprio catálogo de animês. Nos Estados Unidos ainda tem a Amazon que trabalha de maneira similar a Netflix na forma de distribuir e em 2017 vem se destacando no assunto animê.
Por último tem o serviços japoneses como Nico Nico e o Daisuki. Esse último recentemente anunciou seu encerramento nos serviços informando que manterá ainda somente as transmissões de Dragon Ball Super. Isso porque ele foi vendido para a Bandai Namco. Agora é esperar saber o que essa gigante do entretenimento vai fazer. Sites especializados, críticos de mídia e marketing, além de fãs, já especulam que o mesmo destino do FUNimation seja o do Daisuki.
Vale lembrar que o streaming on demand é diferente no Japão em comparação com o resto do mundo. Enquanto aqui se consome o simulcast com algumas horas de atraso em relação as exibiçõe de TV no Japão, por lá se consome em real time. Bom, não se pode é alegar que isso tem a ver com legendagem e etc. Caso não saiba, empresas como Netflix e Crunchyroll são investidores na indústria de animês e sua exibição on demand segue um princípio muito parecido com o que a HBO faz com Game of Thrones, por exemplo. Todos recebem o conteúdo bem mais antecipado do que se imagina para justamente trabalhar com essas questões de tradução e legendas. Os contratos de transmissão é que se diferem para que a mídia japonesa (que ainda é investidora majoritária) tenha o direito de exibir primeiro como forma de exclusividade, afinal de contas animês e doramas ainda são um conteúdo de valor cultural nacional.
Os serviços de streaming on demand estão quebrando esse paradigma aos poucos. Talvez daqui há alguns anos o modo como os próprios japoneses consomem suas mídias venha mudar já que cada vez mais o capital estrangeiro vem entrado – mesmo que a contra gosto de alguns investidores mais conservadores – e isso por consequência altera a dinâmica de produção e consumo dos animês que deixaram de ser algo dividido entre o mercado de casa e o mercado estrangeiro para de fato se tornar um mercado internacional em definito.
Por enquanto os japoneses ainda usam as vendas de DVDs, Blu-rays, colecionáveis e royalties de TV e Cinema para definir o que é ou não sucesso de mercado e merece sequência e demais aprofundamentos. Mas com o streaming on demand não sendo mais uma aventura e sim um negócio certo, novas métricas de avaliação de mercado e popularidade passam a ser aplicadas e isso repercute profundamente na forma como toda a indústria se comporta indo desde seu diálogo com os consumidores, investidores e também com membros da própria indústria como estúdios, animadores e produtores.
Essa é a visão inicial que a Hikari apresenta sobre essa discussão que a cada dia ganha novos contextos e repercussões tanto para as empresas quanto para os consumidores, cada um conforme seus interesses. O ambiente virtual fortalece essa movimentação de argumentos e especulações e prova que o fandom otaku é muito maior do que simplesmente discutir qual animação é a melhor, e sim tem o talento e a ousadia de discutir sobre mercado e disseminação cultural, mesmo que alguns ainda não levem isso muito a sério.
Até a próxima e… Sayonara!