Imaginem comigo a seguinte situação: finalmente chega o dia da estreia de um determinado anime. Você, assíduo consumidor da cultura pop oriental, rapidamente corre para a Crunchyroll, Netflix ou para o seu site de animes favorito (aquele mesmo do Jack Sparrow com um adorável papagaio sobre um de seus ombros, sabe?) e se deleita naquela obra tão aguardada.

Nas próximas 12 ou 13 semanas (talvez 24), o ritual se repete. Com pontualidade britânica, lá está você, aguardando o episódio da semana ser publicado para sua satisfação pessoal. Sua curiosidade acerca do final do anime cresce semana após semana, episódio após episódio, até que chega o tão aguardado capítulo final.

Com suor em seu rosto e mãos trêmulas de tanta expectativa você aperta o play. Somente 23 minutos separam você da conclusão da história. Nada pode estragar aquele momento, nem mesmo todos os eventuais furos de roteiro, erros do diretor, animação tosca e personagens irritantes e desnecessários. A trama se desenrola, avança, progride e você, que não percebe a passagem do tempo por estar distraído e entretido com o episódio final, acredita que o episódio ainda está bem no comecinho. De repente… fim. Acabou. Era só isso.

Confuso, você se pergunta o que aconteceu. Será que houve um engano? Será que ainda tem mais um episódio restando e você se equivocou ao pensar que aquele era o último? Será que o site do Jack Sparrow mencionado acima upou pela metade justamente o último episódio? Com uma rápida pesquisa no Google, você vê que não é nada disso. O anime acabou ali porque, por um motivo ou outro, ele foi feito para acabar ali.

Mas qual a razão de um anime (ou mesmo um filme ou mangá) acabam “sem acabar”? Falta de criatividade do autor? Falta de dinheiro? Vamos conversar um pouquinho sobre isso.

Representação visual da felicidade dos espectadores quando sua obra favorita tem um final ruim.

Sobre o que nós não estamos falando

Antes de falar sobre o assunto em si, vamos explicar sobre o que não estamos falando. Quando digo “animes de final aberto”, não me refiro a obras mal-adaptadas. Um bom exemplo disso é o anime Gangsta. Tendo estreado em 2015, a adaptação tem um dos piores finais dos últimos anos. Não vou estragar sua maravilhosa experiência com aquele final dando spoilers, querido leitor. Vou deixá-lo conferir com seus próprios olhos. A questão é que, apesar de o estúdio Manglobe, responsável pela adaptação, ter declarado falência no mesmo ano da exibição do anime, a adaptação já estava pronta quando o estúdio faliu. Ou seja, fizeram bobagem mesmo.

Também não estamos falando de animes que possuem final aberto porque não conseguiram adaptar todo o mangá. Muitos animes servem, entre outras coisas, para impulsionar a popularidade (e, consequentemente, as vendas) de um mangá. É natural que um anime de apenas 12 episódios não consiga cobrir um anime com 21 volumes publicados. A menos, claro, que tentem, equivocadamente, “espremer” tudo em apenas alguns episódios, o que gera um anime corrido com um final ruim.

Sobre o que, de fato, estamos falando

Agora vamos falar do assunto de hoje: animes com final aberto. Quando falo de final aberto, me refiro a animes que foram pensados para serem assim. Isso ocorre com mais frequência com animes originais, que não precisam se preocupar em adaptar um determinado número de volumes de um mangá ou light novel. Mas qual a razão para não darem uma conclusão clara para um anime? Além disso, por que isso incomoda tanta gente?

Pequena viagem no tempo

Não se preocupe, querido leitor, eu sei que aqui não é a escola e eu não sou seu professor, então vou tentar não ser “chato” ao explicar o que está por vir (no entanto, jovens, valorizem seus estudos e professores, são mais importantes do que imaginam). 🤍

Há muito tempo nós somos ensinados, ainda que de maneira inconsciente, de que tudo na vida deve ter um sentido claro e que nós devemos conhecer 100% como as coisas são. Essa é uma das razões de algumas pessoas não gostarem de surpresas, por exemplo (mesmo surpresas positivas como uma festa de aniversário surpresa). Quando se trata de uma história, as coisas são semelhantes: queremos saber, com clareza e domínio, o que está acontecendo. Além disso, as histórias mais clássicas, além de um final fechado e claro, geralmente trazem um final moralizante, onde um determinado valor (altruísmo, amor, amizade etc.) era ensinado.

Essa foi a tônica da maioria das histórias até o crescimento do modernismo. No modernismo, as pessoas passaram a valorizar mais a pluralidade e as verdades próprias. Não que a era moderna tenha rejeitado completamente bons valores como o altruísmo, ela apenas lançou luz sobre um ponto interessante: na nossa vida, nem sempre as coisas são tão claras e simples ou fazem tanto sentido quanto muitas histórias mostravam.

Ser altruísta é bom? Sim! Mas quando isso passa a ser maléfico para nós mesmos? Será que, às vezes, pensar tanto nos outros não pode fazer com que nos esqueçamos de nós mesmos e de nossas próprias necessidades? Será que, portanto, ser um pouquinho mais egoísta não se mostra necessário em algumas situações? Eis a questão.

Além disso, pessoas são diferentes e pensam e veem o mundo de maneiras diferentes umas das outras. Passar uma mensagem uniforme, como se todos pensassem e vissem as coisas da mesma maneira, não seria um outro equívoco? Quando uma história (seja um anime, um filme, um mangá ou qualquer outro meio) fala de amizade, ela cobre todas as formas de amizade? Será que aquilo que os autores veem como amizade não pode ser interpretado de outra forma por outras pessoas que têm outras formas de pensar por causa de suas outras vivências e experiências? Será que somos todos capazes de interpretar uma mesma mensagem de uma mesma forma?

Em suma, porque as pessoas são diferentes, enxergam as coisas de maneira diferente e porque a vida nem sempre é tão “preto no branco”, com bem e mal bem delineados, o modernismo começou a criar histórias onde o final não é conclusivo, deixando que cada um de nós, com nossas peculiaridades, interpretemos o final da maneira que nos cabe, respeitando as individualidades.

Os limites do final aberto

Uma obra que se propõe a ter um final aberto, contudo, não pode simplesmente deixar as coisas se tornarem confusas. Por mais que um final aberto exista na tentativa de respeitar individualidades e a pluralidade, este final ainda está relacionado a uma determinada história, e essa história possui seu próprio universo e personagens, ou seja, existem limites dentro das possibilidades em um final aberto. Caso contrário, ao invés de respeitar individualidades, a obra simplesmente irá deixar todo mundo confuso.

Ao longo de toda a história, eventos, diálogos e situações devem dar pistas de como uma história deve acabar. Um exemplo clássico são o menino e a menina que brigam e se desentendem durante todo o anime. Por sabermos que esse pode muito bem ser um sinal de que, na verdade, eles se gostam muito, se, ao final da história, o autor não deixar claro que eles terminaram juntos, não é difícil especular isso (ainda que não possamos afirmar com toda a certeza, também).

Conclusão

Apesar de não parecer, existem bons motivos para um final aberto existir. Ainda assim, não é algo com o qual estamos acostumados, então é natural nosso estranhamento. Além disso, quando o assunto é contar uma história, não existe método melhor ou pior, apenas métodos que exploram diferentes aspectos e que tem diferentes propósitos.

Por hoje é isso, queridos leitores. Nos vemos na próxima semana, nesta mesma coluna e nesta mesma rádio, que é do seu jeito, do seu gosto. Bye bye.