Olá, meus caros viajantes! Já faz um tempo que não viajamos no mundo da leitura, então hoje eu resolvi trazer para vocês a indicação de uma mangá: Boys Run the Riot. Antes de iniciar minha indicação, quero dizer que resolvi escrever a respeito enquanto alguém que apoia a comunidade transgênero, porque acredito muito em elevar vozes fora da minha e, sinceramente, não consigo pensar em tantas histórias na comunidade otaku que se concentrem principalmente na experiência trans, escrita por alguém que é trans, como é o caso do autor do mangá, Keito Gaku, trazendo uma enorme representatividade para a indústria dos mangás.

Sinopse

Ryō, estudante do ensino médio, sabe que ele é transgênero, mas não tem a quem confiar sobre a confusão que sente. Ele não pode contar para seu melhor amigo e ele não pode contar para sua mãe, que está constantemente perguntando por que Ryō está sempre “se vestindo como um menino”. Ele certamente não pode contar a Jin, o novo aluno transferido que parece apenas mais um valentão. A única hora em que Ryō se sente à vontade é quando está vestindo suas roupas favoritas. Então, e somente então, o mundo se derrete, e ele pode ser seu verdadeiro eu. Um dia, enquanto fazia compras, Ryō teve uma visão inesperada: Jin. O garoto que parecia tão durão na aula está comprando as mesmas roupas que Ryō adora. E Jin oferece a Ryō uma proposta: começar sua própria marca e criar roupas para que todos se sintam confortáveis ​​em sua pele.

Antes de continuar essa leitura informo a vocês que o mangá aborda assuntos sensíveis, então caso tenha algum problema com os assuntos a seguir, evite ler. Avisos de gatilho: sangue, disforia de gênero, misoginia, transfobia e preconceitos.

Acho que nunca li um mangá tão emocionante e ao mesmo tempo tão educativo como Boys Run the Riot. É um dos poucos mangás que abordam a pauta LGBTQ+ no Japão, trazendo assuntos como disforia de gênero e as dificuldades de aceitar quem você realmente é, como é difícil se assumir como uma pessoa transgênero e os sacrifícios que isso traz.

A história

No primeiro volume somos apresentados a Ryō Watari, um menino transgênero que está no segundo ano do ensino médio, e passamos a conhecer seus sentimentos: ele odeia ser forçado a usar um uniforme escolar feminino, porque é um lembrete constante de que ele nasceu menina. Ele tenta encontrar maneiras de contornar isso como usar seu uniforme de ginástica, mas as pessoas esperam que ele se apresente como uma menina quando está na escola e que siga padrões sociais como ter paixão por ídolos masculinos populares, entre outras coisas. Ao ler o mangá, nós vemos como é exaustivo se esconder todos os dias.

Temos cenas de Ryō procurando termos como transgênero e disforia de gênero, que eu nunca tinha visto ser referenciados em um mangá antes, e aqui faço uma pequena pausa para poder explicar para vocês o que significa:

Transgêneros ou transexuais são todos os indivíduos cuja identidade de gênero não corresponde ao sexo biológico. Identidade de gênero é como a pessoa se vê, que pode ser como mulher, homem ou bigênero. De maneira geral, essas pessoas sentem um grande desconforto com o seu corpo por não se identificarem com o seu sexo biológico.

A disforia de gênero consiste em uma insatisfação entre o sexo com que a pessoa nasce (características genitais do nascimento) e a identidade de gênero, que é a experiência emocional e social da pessoa como feminina, masculina ou andrógina. Ou seja, a pessoa que nasce com sexo masculino, mas se identifica como feminino e vice-versa. Assim, as pessoas com disforia de gênero podem se sentir aprisionadas em um corpo que não consideram ser o seu, podendo sentir angústia, estresse, desconforto, ansiedade, irritabilidade ou até mesmo depressão.

Agora que já sabemos o que significa as palavras que o Ryō procurou, entendemos melhor como ele está tentando lidar com seus sentimentos e com as suposições que as pessoas ao seu redor fazem constantemente. Tendo sua identidade invalidada persistentemente, Ryō sente que não pode ser autêntico nem perto de sua amiga mais próxima, Chika, por quem ele tem uma paixonite. A única saída para suas circunstâncias frustrantes é usar roupas masculinas, o que permite que ele faça amizade com seu colega Jin Satō – um estudante do segundo ano – que compartilha seus gostos de moda.

O tema de aceitação em Boys Run the Riot tem duas vertentes: a história não se concentra apenas em Jin aprendendo a ser mais sensível sobre as questões trans. A história é também sobre a autoaceitação e o crescimento pessoal de Ryō. Antes de Ryō conhecer Jin, o que é explorado é o drama de uma pessoa trans que precisa fingir ser alguém que não é para encontrar aceitação. Com a chegada de de Jin na história, outros aspectos do personagem de Ryō como seus interesses pessoais e paixões começam a aparecer, e à medida que ele se conhece mais, começa também gradualmente a se aceitar. Mas, mesmo quando Ryō começa a se aproximar das pessoas, ainda há hesitação em revelar quem ele realmente é devido às suas experiências passadas, como quando perguntam se ele voltou a comprar roupas de “menino” ao receber um pacote em casa.

Eu fiquei genuinamente feliz de ver uma história que se concentra na moda, com um protagonista transgênero (Ryō) sendo capaz de usar sua arte para se expressar. É uma coisa maravilhosa de se ler! Este mangá é um dos poucos em que não existe uma representação horrível ou versão sexualizada da comunidade LGBTQ+.

Não quero tecer muitos comentários para não estragar a experiência de vocês, mas quero compartilhar um vídeo de Tiff Joshua TJ Ferentini, o editor da Kōdansha Comics que trabalhou em Boys Run the Riot, detalhando o processo de edição da história:

No final do vídeo temos a seguinte mensagem:

Para todos os jovens meninos e homens transgêneros. Eu sei que vocês devem estar preocupado com muitas coisas, particularmente, se você é um adolescente, mas espero que você possa encontrar uma razão para continuar e algo para colocar seu coração e alma, como Ryō faz com a moda. Com este mangá, eu queria mostrar o quão incrível é encontrar algo assim.

Para finalizar, deixo um recado importante, para todo mundo: não perguntem o nome morto de pessoas trans, não façam perguntas sobre suas genitálias, se querem fazer cirurgia ou se já fizeram, não falem dos seus corpos/vozes, tudo isso obviamente pode causar mais insegurança. Não seja você responsável por fazer alguém questionar a sua própria existência.