Para comemorar que a música Kyōran Hey Kids!! ultrapassou 100 milhões de visualizações no YouTube, a banda THE ORAL CIGARETTES lançou um videoclipe especial, combinando elementos do vídeo original e da série Noragami Aragoto, na qual a música serviu como tema de abertura. E hoje eu senti vontade de escrever sobre a obra de Noragami, que completou dez anos de serialização do mangá.

O mangá é escrito pela dupla de mangakás Adachitoka desde 2011 e publicado pela Kōdansha. O anime foi produzido pelo estúdio Bones e contou com duas temporadas de 13 episódios + quatro OVAs.

Sinopse

Yato é um Deus menor, cumprindo pequenas tarefas, realizando desejos, ao preço fixo de cinco centavos, uma oferenda de sorte, cujo sonho é ter um monte de seguidores a adorá-lo. Infelizmente, o seu sonho está longe de se tornar realidade, e ele não tem sequer um único santuário dedicado a ele. Para piorar as coisas, o único parceiro que o ajudava a resolver os problemas das pessoas acabou pedindo demissão. Sua existência divina e sua sorte parecem mudar quando ele se depara com Hiyori Iki, uma garota que acaba por salvar a sua vida. Com isso, ela acaba ficando ‘presa’ a Yato, até que os ‘novos problemas’ da jovem sejam resolvidos. Junto com Hiyori e seu novo parceiro/arma Yukine, Yato fará de tudo para ganhar fama, reconhecimento e, talvez quem sabe, um templo em seu nome também.

O título da obra significa deus sem-teto (nora, do japonês, tem o sentido de sem-teto, aquele que vive na rua; já gami é a forma flexionada de kami, divindade). Noragami adapta termos e conceitos do budismo e do xintoísmo para narrar uma trama de aventura focada na mesquinhez dos deuses e em suas disputas pela adoração dos homens. Mesmo que o protagonista seja um deus criado exclusivamente para a narrativa, ele está inserido em um contexto guiado por uma parte muito importante da cultura japonesa.

Para compreender melhor os conceitos que são explorados, precisamos falar sobre as origens do xintoísmo e do Kojiki, livro que serviu para consolidá-lo. O Kojiki é um livro mitológico compilado durante a dinastia Genmei (661-721 d.C.) junto com outro livro denominado Nihon Shoki e se apresenta como o relato da criação do Japão. O livro tem início na chamada Era do Deuses, a qual narra o surgimento das primeiras divindades, terminando com a criação do arquipélago e com o nascimento do primeiro imperador lendário do Japão, Jinmu.

De acordo com o glossário da edição brasileira do mangá Noragami, até o fim do período Edo (1603-1868), o budismo e o xintoísmo eram fortemente ligados por uma prática que permitia que templos budistas e santuários xintoístas dividissem o mesmo espaço, pois os budas eram consideradas manifestações divinas, assim como os kami (denominação para os deuses japoneses). No século XVI, os japoneses quiseram separar o xintoísmo do budismo para consolidar a supremacia da cultura Yamato, e foi na Restauração Meiji (1868) que houve esse separação por ordem do governo, que desejava consolidar o xintoísmo como religião oficial do Japão.

Estes registros que fazem parte do cânone ecoam pela história de Noragami, mesmo que em nenhum momento seja mencionado no mangá diretamente o Kojiki. Há personagens que estão presentes em ambos, no cânone e no mangá. Quero destacar aqui dois deles, que aparecem nos volumes iniciais da história: Bishamon e Ebisu.

Bishamonten

Bishamon é inspirada em Bishamonten, tradicional deus da guerra japonês, mas com origem hinduísta. No mangá, Bishamon é representado como uma mulher, possuindo diversas shinkis (Os espíritos humanos) Já o deus Ebisu, que possui grande importância no primeiro arco da narrativa de Noragami, tem origem na cultura xintoísta e é considerado um dos sete deuses da fortuna segundo o culto popular do japão. No mangá, ele é associado ao primogênito da deusa Izanami, Hiruko.

As autoras escolheram unir ambos os mitos para criar uma nova narrativa, o que se repete em outras ocasiões em que várias lendas são ressignificadas. Costumo dizer que a obra de Noragami é uma jornada de descobertas, que procura traduzir o multifacetado mundo dos rituais orientais dentro de uma trama com muitas reviravoltas e personagens bem desenvolvidos.

Ao mesmo tempo que remete a crenças e mitologias, trata das histórias como uma urgência da condição humana, retratando companheirismo e amizade, nos trazendo a reflexão sobre a importância e impacto que temos na vida das outras pessoas. A partir de metáforas e utilizando-se de temas sobrenaturais da mitologia japonesa, a obra mostra como nossas ações podem causar reações negativas ao nosso redor, e como as influências em nossas vidas podem nos fortalecer ou destruir.

Os conceitos de responsabilidade, lealdade, os sacrifícios que fazemos pelos outros e as relações que deixamos de lado são pontos que gosto de destacar, pois são essenciais para compreendermos como a vida pode mudar quando encontramos pessoas que nos ajudam a sair de um ciclo de vida repleto de violência e abusos.

Deixo minha recomendação, se você ainda não começou o mangá, sugiro que inicie, mas assista também o anime (a animação e produção sonora são muito bem organizados e elaborados). O enredo e o mundo com deuses são interessantes, mas é o desenvolvimento dos personagens que me deixou completamente encantada pela história, e espero que encante você também.


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