J-Hero, você abriu… e nós viemos. Hoje trago uma das obras de Junji Itō, mangaká que é considerado um dos mestres do terror. O material de Junji Itō é inspirado amplamente em Lovecraft e nos clássicos filmes de terror que explodiram na década de 70. Majoritariamente conhecido por suas obras Tomie e Uzumaki, o autor possui diversos contos e outras obras que podem deliciar até os mais escusos apreciadores do terror e horror oriental. No entanto, não estamos aqui para falar dele, e, sim, manter nosso compromisso de mergulhar em seu material. Esta semana vamos experimentar e discutir os Fragmentos do Horror.

Um material “enferrujado”

Antes de iniciarmos é importante salientar o momento no qual o autor se encontrava. Como pode ser visto no prefácio, Junji Itō se considerava enferrujado e receoso ao escrever os contos deste volume, afinal estava afastado do gênero há algum tempo. Todavia, Fragmentos do Horror é uma ótima sugestão para aqueles que querem experimentar o gênero j-horror de maneira despretensiosa.

Composta por oito contos curtos, esta coletânea de histórias combina conceitos bizarros que impressionam hora por seu roteiro, outrora por suas imagens e imaginação. Sua leitura fácil convida os menos ávidos ao estilo, pois sua interpretação simples pode encerrar sua experiência de leitura rapidamente, mas para os que querem conhecer suas nuances o mangá ainda proporciona muitas interpretações (motivo de estarmos aqui).

Por último e não menos importante, a edição por si só já vale um espaço na coleção. Fragmentos do Horror foi publicada pela editora Darkside em 2017, sendo um dos primeiros mangás de capa dura. A capa, inspirada na obra O Grito, é envernizada e possui marcas d’água que podem ser reconhecidas contra a luz. Além disso, a qualidade das páginas e impressão são primorosas e dignas o bastante para receber as obras de arte de Junji Itō.

Pois bem, sem mais delongas, vamos falar um pouco mais sobre os contos em si…

Vai ter spoiler agora, tá?

Futon (com spoilers!)

Após se “sentir” amaldiçoado, um rapaz não quer sair de seu futon. Nesta premissa, sua companheira o vê definhar aos poucos enquanto ele diz enxergar monstros ao seu redor. Próxima de seu limite físico e mental, a garota também começa a enxergar os monstros que assombravam seu companheiro e foge do apartamento. Um mês depois, ao retornar, a garota encontra o futon repleto de fungos com altíssimo poder alucinógeno.

Grande parte dos leitores desgostaram deste fim, mas todo o clima de paranoia é entregue de maneira primorosa por Itō. Talvez seja a não resolução presente nas histórias orientais que incomode a maioria dos leitores nacionais. Tentando ir além do exposto, podemos dizer que esta história é sobre relações de dependência. Afinal, a protagonista é codependente de seu companheiro, que, consumido pela culpa da traição, acaba preso junto com ela nesta situação. De certo modo, talvez seja este jogo de possibilidades entre o sobrenatural e o ocasional o grande trunfo deste conto que deixa tantas pontas soltas, mas tanto a se pensar.

Monstro de Madeira (com spoilers!)

Aqui acompanhamos moradores de uma antiga casa que esta prestes a se tornar patrimônio cultural. Eles recebem a visita de uma misteriosa mulher interessada pelas dependências do local, e logo ela consegue se hospedar e ganha a confiança da família no decorrer do tempo. No entanto, sua fixação pela casa se torna cada vez mais suspeita, chegando a se relacionar de maneira sexual com as estruturas de madeira (nada explícito, não se preocupem). Invariavelmente, a residência demonstra ter vida própria enquanto a “convidada” praticamente se une à construção.

Analisando mais ao fundo, a ideia de consumismo e pertencimento perverso é visualmente explorada neste conto. À medida que a mulher ganha “contato” com a casa, a importância do local recebe um outro significado. Preservar os bens materiais ao ponto de dar vida a eles é algo comum atualmente, e, de maneira aterrorizante, as pessoas deixam de se humanizar para dar essa importância exagerada aos objetos. Afinal, a mulher misteriosa chega a ter um relacionamento com o antigos moradores, se casa com o patriarca da família, mas em certo ponto se desconecta dessas relações humanas para se dedicar somente à casa, ou melhor, ao bem material. É difícil imaginar quantas relações como essa acontecem de maneira velada.

Parte 2 em alguns dias…

Para não se tornar uma leitura maçante e ainda incitar algo despretensioso, pretendo finalizar a análise desta obra no nosso próximo encontro. Sendo assim, comentem aqui sugestões e ansiedades para que possamos lapidar todo material em conjunto.

Ah, e se você ainda não leu Fragmentos do Horror, você ainda terá tempo de degustar os outros contos e retornar aqui para divagarmos sobre seus significados.

Durmam bem 😘