
Um dia na vida de uma artista de games no Japão
Às vezes, é preciso lembrar que criar mundos também é um trabalho real cheio de prazos a se cumprir.
Ishikawa Haruka acorda todos os dias antes do despertador tocar no pequeno edifício onde mora em Osaka, no Japão. Ela se senta na cama de futon, despreguiça e esfrega seus olhos antes de se levantar para colocar a chaleira elétrica para funcionar.
A vida de Haruka, 28 anos, não é muito diferente da vida de outros profissionais do mesmo ramo. Ela trabalha como artista conceitual em um estúdio japonês de médio porte, responsável por criar visuais iniciais de personagens, monstros e cenários de um novo jogo eletrônico de fantasia.
Antes de tomar seu café da manhã, ela lava seu rosto e escova os dentes. Com seu chá em mãos, rabisca uma silhueta de prédio no horizonte. “Hoje preciso terminar o design da cidade suspensa. O diretor quer uma vibe mais melancólica”.
08:15 – O trem
Vestida casualmente e já maquiada, Haruka caminha em direção à estação. Como muitos japonesas, ela usa o transporte público diariamente. Dentro do trem da Linha Midosuji, ela ocupa um dos poucos assentos vazios ao mesmo tempo que escuta uma playlist instrumental. No celular, navega entre ilustrações e referências de arquitetura do Pinterest.
09:00 – Chegada ao estúdio
O estúdio onde Haruka trabalha tem cerca de 50 funcionários incluindo alguns terceirizados. Nem se comparam com grandes corporações como Square Enix ou Capcom, mas eles possuem projetos próprios e contratos com empresas maiores. O projeto atual, Heaven Fragment, é um JRPG de cidades flutuantes sobre ruínas de um monto antigo.
Às 09h, começa o scrum matinal em que cada equipe compartilha rapidamente seus objetivos do dia. Haruka mostra seus esboços mais recentes da cidade suspensa e recebe comentários como “talvez possamos usar menos curvas e mais linhas verticais”, entre outras sugestões.
Ela passa a manhã refinando a ilustração, alterando cores, testando texturas novas e adicionando pequenas histórias em cada elemento: uma torre quebrada pode se tornar tanto um lar para um velho alquimista quanto uma excelente emboscada de monstros para aventureiros que gostam de explorar. Cada detalhe conta.
12:30 – Hora do almoço
Com a mente cansada, Haruka desce com alguns colegas até o refeitório que a empresa disponibiliza. Nele, os funcionários de toda a corporação podem comprar o almoço e bebidas ou simplesmente se acomodar e almoçar o que trouxeram de casa.
Em seu bento, Haruka tem arroz com furikake, frango teriyaki, omelete japonês e pepinos em conserva. Tudo isso comprado em um konbini próximo de sua casa.
A conversa do grupo gira em torno de jogos. Alguém parece estar viciado em Elden Ring, outro mostra trailers de Final Fantasy XVI. Riem, reclamam dos prazos e sonham em um dia criar algo tão impactante quanto os jogos de grandes empresas de games.
14:00 – Criatividade
À tarde, Haruka precisa entregar duas artes até as 17h. Enquanto ajusta a ilustração, escuta podcasts sobre o folclore japonês.
Feedbacks chegam no Slack. Algumas alterações são sutis, outras exigem redesenhar partes inteiras. Ela respira fundo e se concentra. Às 17h45min, envia os arquivos finais e recebe uma mensagem de aprovação do diretor. Não é uma medalha, mas por hoje isto basta.
19:30 – Lar e banho quente
De volta ao pequeno edifício, Ishikawa Haruka toma um banho de ofurô improvisado e janta um prato que pode parecer incomum para nós, estrangeiros: udon e chá. Em seguida, liga seu Nintendo Switch e joga algumas partidas de Splatoon, um dos seus jogos preferidos.
Antes de dormir, anota uma ideia no caderno que deixa na cabeceira, fecha os olhos e imagina como aquela ideia pode ganhar vida.
Curiosidade final
Ishikawa Haruka não é real, mas sua rotina é baseada na vida de dezenas de artistas que trabalham nos bastidores dos jogos que nós amamos. No Japão, criar mundos de fantasia (como no também fictício jogo Heaven Fragment) é uma arte que exige disciplina, paixão e muita resiliência.