
Itō Junji e o imaginário da sociedade japonesa
Descubra como o terror nas obras de Itō Junji revela medos, tensões sociais e traços culturais do Japão contemporâneo.
Aqueles que não conhecem as obras do autor e apenas ouviram seu nome por aí podem pensar que os trabalhos de Itō Junji não vão além de mero entretenimento baseado em sustos e no grotesco. Na verdade, suas obras são reflexos profundos e perturbadores da psique coletiva japonesa.
Itō, mestre do terror contemporâneo, constrói narrativas que conversam intensamente com aspectos reais da cultura e da sociedade do Japão. Histórias como Uzumaki, Tomie e Gyo não apenas provocam medo, mas também revelam ansiedades sociais, repressões culturais e tensões entre tradição e modernidade no arquipélago japonês.
A reflexão em Uzumaki
O Japão valoriza a ordem, a harmonia e o coletivo. A cultura da conformidade, do silêncio emocional e da obediência à hierarquia moldam o comportamento desde cedo. Em Uzumaki, por exemplo, a espiral que gradualmente consome uma cidade inteira simboliza a repetição e o aprisionamento psicológico.
Essa figura hipnótica pode ser interpretada como uma metáfora para o ciclo sufocante da vida moderna japonesa: trabalho incessante, alienação urbana e problemas emocionais (principalmente o isolamento). A espiral, que parece infinita e inevitável, transforma a obsessão cotidiana em horror cósmico.
A reflexão em Tomie
Já em Tomie, Itō constrói um arquétipo feminino: uma jovem eternamente bela que seduz todos ao seu redor, sempre retornando após ser assassinada. Essa figura instiga debates sobre a objetificação da mulher no Japão e a dualidade entre desejo e repulsa.
Tomie é, ao mesmo tempo, a vítima e a vilã, ideal e aberração. Uma crítica sutil às pressões contraditórias impostas às mulheres na sociedade japonesa, em que beleza, submissão e perfeição são esperadas, mas também temidas e rejeitadas.
A reflexão em Gyo
Em Gyo, o terror surge de uma invasão literal de peixes mortos-vivos, uma imagem grotesca que remete ao trauma coletivo da poluição, da guerra e das catástrofes ambientais como Hiroshima, Nagasaki e Fukushima.
Aqui, o horror não é sobrenatural, mas tecnológico e humano. Itō sugere que a própria busca por progresso e controle pode gerar forças incontroláveis, uma crítica à modernização acelerada e à perda da conexão com a natureza.
O legado de Itō Junji
Ao transformar medos e fobias sociais em imagens grotescas e inesquecíveis, Junji Ito não apenas assusta, como também revela. E nesse processo, faz do terror um poderoso instrumento de crítica e reflexão sobre o Japão contemporâneo.