Caros navegantes dessa nave louca! De volta mais uma edição do B…

ESPERA! Que isso gente! Pelamor… Não! Nada de BBB aqui! Essa é uma coluna séria. A zoeira tem limites até na Rádio J-Hero. Nesta semana lastimável para a TV brasileira (16 é dose!) vim alegrá-los com algo realmente interessante e com um nível intelectual bem mais autêntico.

Como prometido na postagem anterior, estamos mais uma vez com uma edição da Otaku JukeBox, em 2016, falando sobre música clássica. Sim, como você já deve saber estaremos falando de “Animes onde a Música Clássica se faz presente”.

Durante mais de duas semanas varremos a internet e o nosso repertório pessoal para atender a esta pauta. Acredito ter conseguido. Se ficar superficial você completa nos comentários (basta não se esquecer do nosso combinado lá no início viu!)

A presença da música clássica nos animes não é algo incomum. Considerando que o Japão é um dos grandes apreciadores do estilo musical, ensinando suas crianças a vivenciarem a experiência desde a escola com recitais, aulas de música e clubes de talentos. Para nós, otakus que se acostumaram com o J-Pop e o J-Rock, é estranho achar que o jovem e o adulto nipônico sabe distinguir entre Chopin ou Beethoven (coisa que muitos de nós brasileiros não sabemos fazer, para nossa infelicidade).

O contato com o estilo musical vem desde meados do século XIX após 200 anos de isolamento nacional do emblemático Período Feudal Edo e a monarquia dos Shoguns Tokugawa. Entretanto é no século XX que uma efervescência toma conta do cenário musical japonês no que tange a música clássica. Muito devido à ocidentalização vivenciada no Pós-Segunda Guerra Mundial. Nomes como Fujiko Hemming (pianista que se sagrou no cenário da música clássica japonesa graças as suas interpretações de Liszt e Chopin), Toru Takemitsu (famoso pelo seu trabalho como compositor e produtor musical de trilhas para filmes) e uma das figuras mais icônicas do fim do século XX, o maestro Seiji Osawa (que desde 2002 deixou o Oriente em definitivo e assumiu a direção musical da Ópera Estatal de Viena, na Suíça).

É certo dizer, que mesmo não fazendo parte de sua cultura originária, a música clássica foi recebida de braços abertos pelos músicos e entusiastas japoneses, tanto que podemos elencar certo número de grandes orquestras – de destaque internacional – oriundas dessa formação musical vivenciada em mais de um século:

Orquestra Sinfônica de Tóquio

Orquestra Filarmônica de Osaka

Orquestra Filarmônica de Nagoya

Orquestra Filarmônica de Kanagawa

Orquestra Sinfônica de Hiroshima

Mas deixando isso de lado – não é o que você está querendo saber mesmo! – essa influência musical se tornou referência para nossos iluminados mestres mangakás. Ávidos por uma criação diferente eles se enveredam pelos enlaces do “mangá de música”. Se já é difícil falar de esportes e/ou culinária entre quadros e traços, imagine como fazer o seu leitor “ouvir” por meio de imagens e onomatopeias canções profundas e cheias de reflexão – sendo elas o cerne da narrativa ou uma coadjuvante para sua perfeição.

Se acham que estou exagerando… Logo início de 2016 uma matéria (que me motivou a produzir esse texto) chamou-me a atenção. Um dos atuais mestres do mangá, Eiichiro Oda (One Piece), em entrevista a um programa de TV disse ter inveja de Naoshi Arakawa, autor do mangá Shigatsu wa Kimi no Uso.

Além de ter admitido essa inveja (o nome do programa de TV é Ichiryü ga Shitto Shita Sugoi Hito / Grandes pessoas de quem a elite tem inveja), Oda ainda trouxe estas palavras:

“Antes do término de um prazo de entrega, para relaxar, eu sempre lia e esquecia dos meus manuscritos. Consegui fazer com que todo o estúdio comprasse o mangá também. (…) É o gênero de mangá mais difícil de produzir”

Ele encerrou o assunto chamando Arakawa de um mangaká excelente devido ao fato de fazer uma magnífica leitura musical em desenho.

Como sabemos, Shigatsu wa Kimi no Uso é um mangá que foi recentemente adaptado para anime. Como espectador posso dizer que além da trama – a história de vida do pianista Arima Kousei e da violinista Kaori Myazono junto de seus amigos – fazem desse slice of life uma animação meiga, cativante e romântica (uma fuga em meio a tantos ecchis no mercado) e dobram nossa felicidade graças ao repertório musical escolhido para dar emoção a trama.

De Beethoven a Chopin passando por Mozart, Saint Saëns, Rachmaninoff e Tchaikovsky temos em 22 episódios um grande concerto de clássicos da música clássica mundial.

A partir de agora começaremos a por em prática esse texto listando as músicas presentes nos animes começando por Shigatsu wa Kimi no Uso:

 

Twinkle, Twinkle, Little Star – Mozart

“Twinkle, Twinkle, Little Star”, popularmente conhecido no Brasil como “Brilha, Brilha, Estrelinha” é uma das canções-chave para a trama do anime Shigatsu wa Kimi no Uso, pois remete diretamente à infância dos dois jovens musicistas (muito mais para Kaori).

Canção de ninar originada de um poema do século XIX ( The Star, por Jane Taylor) foi cantado originalmente com a melodia da canção francesa “Ah! Vous dirai-je, Maman”, mas ficou eternamente marcada pela versão em Doze Variações interpretada pelo alemão Wolfgang Amadeus Mozart, autor de mais de 600 obras entre música sinfônica, concertante, operística e piano. Considerado um dos maiores compositores do século XIX.

Confira “Twinkle, Twinkle, Little Star” com Doze Variações de Mozart interpretada pelo pianista Gabriele Tomasello:

 

Ballade No. 1 in G Minor Op. 23  – Chopin

A Balada N° 01 em Sol Menor de Fredéric Chopin, pianista polonês erradicado na França, está entre as atuações mais emblemáticas da música clássica internacional. Tanto que é ela quem dá o tom durante todo o episódio 22 (que marca o fim do anime). Somos literalmente convidados a vivenciar o dedilhar do piano ante os pensamentos de Kousei. Chopin é também o artista mais citado ao longo do anime com mais três obras: 

Etude Op. 10 No.4

Etude Op.25 No.11 “Winter Wind”

Etude in E minor Op.25 No.5 

Essas são todas as canções de Chopin apresentadas em Shigatsu wa Kimi no Uso.

Confira uma versão de Ballade No. 1 in G Minor Op. 23:

 

“Liebesleid” / Love’s Sorrow – Rachimaninoff

Uma canção que para Arima Kousei é um grande fardo. Ligada a sua relação de amor e culpa sobre a morte da mãe, o jovem pianista treme ante a execução dessa performance em piano marcada pelas notas pesadas. Love’s Sorrow faz parte de uma tríade musical que compõe uma peça criada em 1905 atribuída a Joseph Lanner. No entanto, anos depois, Fritsz Kreisler tomou os direitos para si e passou a assinar como detentor das canções. As outras duas peças que compõe a produção são: “Liebefreud” e “Schön Rosmarin”.

“Liebesleid” e "Liebefreud" foram transcritas para piano solo em 1931 por Sergei Rachimaninoff, tornado-se famosas a partir de então. Falando de um amor feliz que cai em desgraça e venera um moça, Alt-Wiener Tanzweisen (Antigas Melodias Vienenses, tradução do nome do conjunto formado pelas três peçasmusicais) é uma das canções com  maior grau de atenção durante a execução.

Falando em Rachimaninoff, o anime ainda tem um dueto com ninguém menos que Tchaikovsky, outro grande nome da música clássica mundial. Essa canção se chama Waltz from Sleeping Beaty.

Mas vamos conferir uma versão de “Liebesleid” / Love’s Sorrow:

 

Introduction and Rondo Capriccioso Op. 28 – Saint-Saëns

Dentre todos os nomes até aqui já citados, Camile Saint-Saëns era o único que ainda não conhecia. Mas seu “Rondo Capriccioso” é sem dúvida a melhor aquisição para a trama do anime, pois é o único dueto Violino-Piano legítimo presente na trilha musical da narrativa. Antes até temos Kaori em outro dueto (Kreutzer Sonata), mas esse é muito mais uma canção para violino sendo acompanhada por um piano. Dueto, dueto mesmo é a obra de Saint-Saëns.

Confira uma perfomance de Introduction and Rondo Capriccioso Op. 28:

 

Piano Sonata No.14 in C sharp minor Op.27 No.2 "Moonlight Presto agitato" – Beethoven

A primeira. Essa é a primeira canção com que temos contato em Shigatsu wa Kimi no Uso. E que bela maneira de começar o “concerto”. Uma sonata em piano do mestre Ludvig van Beethoven.

Um prodígio, Arima Kousei é a criança que domina o piano ante a obra do mais conhecido dos ídolos da música clássica mundial. E como se não fosse bastante, o conflito dramático que move a vida do protagonista de Shigatsu Kimi no Uso – sua incapacidade de ouvir as notas do piano – faz uma referência muito forte ao autor da sonata que ele toca antes de ficar “surdo”.

Beethoven, como todos sabem, aos 26 anos foi diagnosticado com uma doença que gradativamente destruíra sua capacidade de ouvir, se tornado um compositor e pianista surdo ao longo de boa parte da carreira.

É esse contraste entre as duas figuras – Kousei e Bethoven – que fazem da escolha da música perfeita para iniciar o anime, pois para quem entende a referência esse é a melhor maneira já imaginada para se apresentar de forma não clara o conflito da trama. De Beethoven ainda chegamos a ouvir Kreutszer Sonata aqui já citada.

Fiquem com uma perfomance de Piano Sonata No.14 in C sharp minor Op.27 No.2 "Moonlight Presto agitato":

Bom, como o assunto requer muito atenção vamos dar uma pausa. É tempo suficiente para ouvir quantas vezes quiser essas joias da música clássica mundial. Na próxima edição trago a segunda parte falando de outros animes. Só para esquentar deixo a pergunta: Você sabia que Digimon Adventure tem música clássica em seu OST?

É… Mas eu conto depois!

Sayonara!