(Capas dos sete volumes do mangá Koe no Katashi)

 

 

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Que sensação estranha seria se você abrisse esse link e não encontrasse nada a não ser diálogo sem nada. Apenas uma sequência infinita de pontinhos. Uma conversa muda. Seria como se você ou não pudesse ver o que está escrito ou não pudesse ouvir o que está sendo dito.

Isso me lembra… Você conhece/já conheceu alguém com alguma dessas deficiências? Como é o convívio com ele(a)? Você se dá bem? Consegue se comunicar? Acha estranho e não se envolve ou não tem preconceitos? Eu sei que são muitas perguntas logo de cara, mas é que é necessário fazê-las. Pelo menos para que você se ponha a par do assunto a ser tratado nas linhas a a seguir.

A Hikari é uma coluna que se propõe a trazer "luz" ao seus leitores. E sempre que possível, temas desse tipo necessitam ser abordados por nós também na comunidade otaku, afinal quem disse que um deficiente visual ou um deficiente auditivo não pode ser otaku também?! Quem não ouve lê mangás e quem não enxerga ouve as canções de j-music… Enfim, de alguma forma podem se integrar ao nosso mundo.

Não quero ensinar ninguém a como lidar com o assunto, mas mostrar o quão delicado ele é. Para isso vou analisar o mangá Koe no Katashi (A Voz Silenciosa), que trata justamente de um tema como esse: a vida com uma pessoa que possue a deficiência auditiva.

Primeiro deixa eu estabelecer critérios: 1) não tratarei as deficiências como um tipo de sofrimento. Podem até ser (não sou eu quem define isso), mas se pararmos para pensar cada um de nós tem um tipo de sofrimento que nos limita em alguma coisa no decorrer da vida; 2) análise do mangá será feita conforme sua narrativa, mas sempre que possível levantará pontos estratégicos a respeito das pessoas com deficiências (que não trataremos como estranhas, mas apenas como diferentes). 3) por ser muita coisa essa análise será dividida em duas partes, pois Koe no Katashi, embora trate sobre Inclusão Social ao tazer-nos uma personagens surda tem também um outro tipo de conflito que impera no seu enredo: o Bullying.

Começamos então com a Ficha Técnica do mangá e sua Sinopse:

 

FICHA TÉCNICA

Autor(a): Yoshitoki Oima

Editora: Kodansha

Volumes: 07 edições + 01 one-shot

Ano: 2013/2014

Gênero: Drama, Romance, Slice of Life

 

SINOPSE

A história gira em torno de Shoko Nishimiya, uma estudante do primário que nasceu com um uma deficência auditiva. Ela é transferida para uma escola onde acaba sendo alvo de bullying. Entre seus agressores está Shouya Ishida, um protótipo de valentão que acaba fazendo a garota ter que deixar a escola. Mesmo não sendo o único a cometer o bullying, Shoyua é o único da turma a ser culpado pelo que aconteceu e vira alvo de bullying pelo resto de sua vida no Ensino Fundamental.

Anos depois, já no Ensino Médio, sem amigos, ele decide cometer suícidio, mas antes determina que vai se desculpar com Shoko, que ele nunca mais tinha visto. Em um reecontro predestinado uma nova oportunidade aparece para o rapaz, que vai tentar provar para todos que mudou e que Shoko pode viver feliz entre as pessoas que um dia a ignoraram.

Entre esse percursso o dilema de Shouya e ter que reviver os momentos ruins ao lado dos antigos amigos e fazê-los aceitarem Shoko como ela é.

(Shouya era o típico valentão. Shoko foi por diversas vezes alvo de bullying devido a sua surdez)

 

Bom,é aqui que começamos a analisar. De início, quando se lê essa sinopse, chega-se a pensar que Shouya Ishida não passa de um grande egoísta que quer apenas se sentir bem consigo mesmo. Ele nunca teve em mente que desejava ver o bem de Shoko Nishimiya. Ele só queria deixar de se sentir culpado pelo que aconteceu com ele mesmo depois do bullying a pequena surda.

Realmente existem pessoas assim. Pessoas que fazem o bem não porque querem ou porque buscam remissão aos olhos dos outros. Fazem-o por si e nada mais. A esse tipo de pessoas eu costumo chamá-los de hipócritas. O não é o que são? Devemos encarar a remissão como uma consequência e não como uma necessidade. E Shoyua Ishida descobre isso da maneira mais dura possível.

De início a mãe de Shoko, a "Sra. Nishimiya", não aceita de maneira nenhuma que o rapaz se reaproxime de sua filha. Por diversas vezes na infância Shouya fez coisas terríveis com a menina. A pior foi quebrar por diversas vezes o aparelho auditivo artificial de Shoko. Uns oito no total. Prejuízo de mais de 150 mil yenes.

Deixo logo claro que Shoko Nishimiya não é totalmente surda. A narrativa não deixa claro, mas sabe-se que ela nasceu com um problema no aparelho auditivo que a impede de ouvir com clareza necessitando de um equipamento eletrônico. Você deve ter em mente que a surdez na verdade pode se caracterizar de diversas maneiras sendo popularmente total e/ou parcial. No caso de uma surdez total o uso de aparelhos não resolve e a pessoa que detém essa deficiência é considera surdo-muda, pois se não ouve não consegue reproduzir sons que possam ser compreendidos.

Shoko desde pequena era capaz disso e tem na avó a base para evitar que sua deficência se agravasse. Com a velha senhora e um aparelho auditivo artificial ela treinou forte para conseguir reproduz alguns sons mesmo que brutos e atrapelados pela pouca prática. No entanto, para se comunicar com sua turma optou por um caderno. Queria registrar tudo por meio das impressões de seus colegas de classe.

A reação ao estranho é esmagadora. Crianças de oito anos de idade, se não forem ensinadas, podem reagir de maneira não positiva a alguém "diferente". A turma definitivamente optou por ignorar Shoko pelo único motivo dela não ser capaz de se comunicar com todos de maneira igual e precisar de um pouco mais de atenção.

Ao ler o mangá você sente na pele a criação e o estilo de vida frio dos japoneses. Por lá ninguém pode ser especial, diferente etc. Todos devem ser iguais, pois se não serão hostilizados de alguma forma. Ao mesmo tempo em que cria heróis para si, o povo japonês não exerce com excelência a compaixão.

No caso da narrativa de Koe no Katashi a pequena Shoko foi hostilizada por precisar de atenção. Isso irritava a todos. Pois todos querem ser centros de atenções, de alguma forma. Isso não é diferente no resto do mundo, eu sei, mas o mangá critica justamente a atitude do povo nipônico que desde a infância alimenta esse sentimento de que todos devem ter os mesmo problemas e mesmo triunfos, ninguém pode aparentar nenhuma excepicionalidade, seja ela de cunho positivo ou negativo.

Mas para tudo na vida a formas de se lidar. Barreiras podem ser vencidas, principalmente quando se fala em comunicação e vida em sociedade. No caso da deficiência auditiva temos a linguagem de sinais, ou linguagem gestual. Existem várias, assim como a escrita e os idiomas, espalhados pelo mundo.

No Brasil nós temos a famosa LIBRAS – Linguagem Brasileira de Sinais. No universo do mangá de Oima-sensei temos a Linguagem Japonesa de Sinais. Contudo é bom que fique claro, que mesmo tendo similaridades com signos escritos e tudo o mais de cada idioma em um país, as linguagem de sinais são autónomas, ou seja: não dependem de nada disso para existir, pois foram criadas exclusivamente para a comunidade de surdos e aqueles que interagem com eles.

É bem comum entre os surdos haver uma separação premeditada da sociedade. Só entre eles há a definição de sinais. Por exemplo: Se eu pretendo me tornar amigos de surdos não seria tão fácil como em uma conversa comum onde trocamos nomes e tal. Eles vão priorizar "falar" entre si coisas que ainda não se sentem a vontade comigo. Terão sinais, que mesmo o conhecedor de LIBRAS náo vai identificar, pois são exclusivos daquele grupo/comunidade. Somente depois deles confiarem em você é que passará a conhecer tais códigos, tanto que o seu nome – antes dito por meio do alfabeto de LIBRAS – ganha um sinal próprio para a conversação. Engraçado não?!

Shouya Ishida procurou aprender a linguagem de sinal japonesa, e surpreende Shoko Nishimiya em sua primeira tentativa de reaproximação. Mesmo assim ao longo dos sete volumes por muitas vezes ele não consegue entender o que a garota diz, pois não se sente próximo o suficiente para criar um diálogo próprio entre eles. Isso é tão engraçado e inocente que faz o pobre não perceber as inúmeras vezes que Shoko tentou confessar que estava apaixonada por ele (até nas situações mais adversas e embaraçosas o amor florece!).

(Shoko Nishimiya conversa na Linguagem Japonesa de Sinais)

 

(Esquema do alfabeto ocidental em Linguagem de Sinais)

 

Enfim, ao longo do mangá vemos a facilidade que é querer se fazer comunicar. A linguagem de sinais é um caminho que aproximou Shouya e Shoko (mesmo ele ainda sendo um idiota ao não perceber os sentimentos da garota). Os demais amigos de Shouya e Shoko, que se reaproximam não buscam aprender a linguagem japonesa de sinais, porque ainda não aceitaram Shoko ser como é. Isso é o ponto positivo para o nosso protagonista. 

Às vezes somos nós que devemos nos adpatar quando se apresenta uma barreira à frente. Esperar somente o próximo mudar é ridículo. Mostra o quanto somos imaturos, o quanto somos egoístas e egocêntricos. Shouya, com o tempo, conseguiu entender que não era preciso só ele se sentir bem consigo mesmo para ter sua felicidade de volta. O importante era que eles todos voltassem a ser felizes. Não só ele ou Shoko, mas todas as pessoas que no passado ficaram marcadas pelos atos de imaturidade de ambos os lados. Sim, pois tenho que dizer que Shoko não é a pessoa ingênua que você pensa.

Há aqueles que, em meio as dificuldades, se humilham sozinhos, sofrem sozinhos… Errado!  isso acontece quando estamos juntos! Felizes ou tristes. Shoko Nishimiya se sentia culpada por ser surda e pelo que acontecia com quem estava a sua volta. Embora ela sentisse em seu coração que estava apaixonada por Shouya Ishida, a quem desde a infância ela quis ser amiga, ela não pensou nele ou em sua família quando buscou se suicidar.

A pressão com que as pessoas com defiência vivem devem ser entedidas por nós para evitarmos que eles se sintam culpados por serem diferentes. E não apenas políticas públicas e política da boa vizinhança que evita esse tipo de coisa. Nós devemos ser sinceros uns com os outros, Sínceros como foi Naoka Ueno, a antagonista do mangá. Mas vou falar disso na segunda parte, quando abordo o segundo tema: o bullying.

(Quando eu cheguei nessa parte chorei feito manteiga derretida de pura felicidade. Mas…)

 

Por enquanto ficamos aqui. A segunda parte da análise será mais intensa, pois é o bullying o maior conflito da narrativa. Analisaremos personagem por personagem de forma rápida e sistémica. Trago também mais curiosidade a cerca do mangá. Mas deixo a dica: Leiam, pois vão gostar!

Até a próxima e… Sayonara!