Masami Kurumada é um autor em meio a muitos comentários. Considerado um mangaká mediano e contestado por sempre repetir seus traços tendo personagens esteticamente iguais, seja em Ringo no Kakero ou em Saint Seiya, dois de seus títulos mais conhecidos.Talvez por isso não seja alguém tão querido entre os japoneses e os críticos de mangá espalhados pelo mundo.

Saint Seiya (por aqui conhecido como Os Cavaleiros do Zodíaco) acabou se tornando seu mangá de maior prosperidade. Não tal estamos com mais de 30 anos do seu lançamento em 1986 e ainda assim temos conteúdo de Saint Seiya sendo publicado e produzido. Além dos mangás Saintia Shô, Episode G Assassin e Next Dimension a franquia tem sobrevida ainda com séries de animês e produções live-actions anunciadas, além dos famosos Cloth Myth da Bandai: as action figures baseadas na série.

Entre tudo isso ainda há a situação de muitos que fazem questão dizer que Saint Seiya não é um grande sucesso no Japão. Bom, não chegou ao patamar de outros títulos que amamos, mas se não fosse sucesso não estaria viva até hoje. É lógico que isso se deve muito aos fãs estrangeiros, principalmente de países como França, Itália, México, Peru, Brasil e China.

Nessa sobrevida, o mangaká contestado amadureceu muito e isso fica evidente em seu atual trabalho: Saint Seiya Next Dimension ~ Meiou Shiwa. O autor teve um despertar de genealidade e sobre reascender a paixão de seus fãs pela marca e a narrativa de Saint Seiya ao introduzir uma única personagem: Odysseus de Serpentário.

Desde 2017, o mangá que vinha tendo índices medianos – e por muitas vezes ignorado por quem não era membro mais assíduo do fandom – foi reanimado e sem sombra de dúvida é a melhor peça narrativa da franquia na atualidade. Mais de dez anos depois do início de sua publicação (que foi em 2006), o mangá entrou uma fase intensa e bastante animadora. E ao que parece esse momento se trata apenas da primera metade da trama.

A genialidade de Masami Kurumada refletida em Odysseus de Serpentário está justamente no fato de este ser uma personagem que vai bem além dos padrões de personagens criadas pelo mangaká. Desde seu início, Saint Seiya sempre foi um mangá muito dicotômico. Há o bem e há o mal. Há um pensamento muito definido de que as personagens não devem mudar de lado enquanto a suas proposições éticas e de caráter são estabelecidas. Personagens como Ikki de Fênix e Orfeu de Lira são prova disso, assim como Saga e Kanon de Gêmeos. Mesmo que inicialmente estivessem no lado considerado mal, eles não desonraram suas formações como Cavaleiros de Atena e lutaram pela justiça.

 

(Nem mesmo a Explosão Galática pode parar Odysseus)

 

Essa dicotomia se mantém viva em Next Dimension, mas se moderniza à luz dos novos conceitos narrativos do século XXI. Agora as personagens de Masami Kurumada possuem mais liberdade de expressar caráter e se humanizam ao ponto de abdicar de suas concepções quase divinas advindas de seus status de guerreiros sagrados.

Nas últimas semanas quatro capítulos do mangá foram lançados (87, 88, 89 e 90) e eles nos ajudam a entender isso de forma bem mais assertiva. O ponto alto desses capítulos é o n°90 onde Deathtoll de Câncer é o grande destaque. A crise de identidade da personagem – que sofre com sua homossexualidade indefinida e retraída num ambiente tão conservador como o Santuário – nos leva a um dos capítulos mais criativos de toda a história de Saint Seiya.

Buscando encontrar-se enquanto mulher, Deathtoll convenci Odysseus a lhe transformar. Com uma habilidade espantosa o caveleiro-médico é capaz de alterar as estruturas do corpo do Santo de Câncer e lhe proporciona uma série de aparências clássicas do século passado. Aqui há uma dose da genialidade citada nesse texto e atribuída a Kurumada. Não se pode esquecer que Next Dimension se passa no século XVIII e ainda assim Odysseu usa personagens marcantes do século XX (o tempo atual do mangá) para repensar a imagem feminina de Deathtoll. Num misto de referência à sua juventude e ao auge de sua carreira, Kurumada usa referências de mulheres ocidentais e orientais, além de figuras não reais para expressar o fatídico conceito de beleza e feminilidade que atormentar a humanidade.

Como relatou de forma brihante em sua página em uma rede social, o grupo Saint Seiya – Templo da Sabedoria nos ajuda a entender quem são cada uma das mulheres retratadas nas páginas do mangá. Entre alguns dos destaques lembrados por eles estão:

Cláudia Carnidale – ícone de sex appeal oriundo da Itália. Fez sucesso nas décadas de 1960 e 1970 em filmes franco-italianos e ingleses.

(Cláudia Cardinale / Imagem: Saint Seiya – Templo da Sabedoria; Facebook)

 

Kyoko Kano e Mika Kano – dupla de japonesas que foram símbolos sexuais durante o fim dos anos 1990 e  ínicio do século XXI e que se destacavam pelo estilo arrojado e erótico em suas aparições públicas.

(Irmãs Kyoko / Imagem: Saint Seiya – Templo da Sabedoria; Facebook)

 

Além delas, Mayu Watanabe (ex-AKB48), Merlyn Monroe, Elizabeth Taylor, Maria Antonieta (do mangá Berusayu no Bara de Ryoko Ikeda), Mitsu Dan, Mona Lisa (de Leonardo Da Vinci) e outras seis referências de símbolos femininos e de sex appeal de diversas gerações do século passado e do presente.

Tudo isso para por fim passar a mensagem da aceitação de como se é. Isso sem deixar de encaixar o mangá em um sentido de crítica. Quando Deathtoll busca uma resposta definitiva de seu adversário acaba caindo na sua própria armadilha e é preso no Ormetá.

Além desse momento, os capítulos recentes trazem o confronto entre Caim e Abel de Gêmeos contra Odysseus. Masami Kurimada está fazendo um ótimo trabalho ao estudar a área médica a fim de auxiliá-lo a compor seu personagem. Se o autir sempre foi assertivo na hora de fazer o link do mitológico, astrológico e astronômico em sua narrativa, agora ele faz o mesmo com a Medicina e constrói uma personagem complexa, poderosa e engimática o suficiente para manter o frisson e a expectativa para os novos capítulos.

O que preocupa os mais atentos é que, como se sabe, Masami Kurumada sempre construiu vilões esteticamente patéticos (um conceito de categoria defendido pelo filosófo francês Étienne Souriau) onde se busca impressionar o público, mas acabam se tornando presenças de ostracismo por não correspoderem a essa expectativa. Odysseus pode ser mais um antagonista over power que no fim tem um fim simplório e em nada aproveitado (como já se encaminha nas minhas observações).

Até a próxima e… Sayonara!