Quando passávamos da Primavera para o Verão neste ano já tinha em mente que falaria de Re:Creators em uma de minhas colunas neste site. De primeira imaginei que isso seria na Otaku JukeBox dada a maravilhosa OST apresentada pelo animê, mas com o início e desenvolvimento da segunda fase da animação ficou constatado que deveria fazê-lo aqui aqui na Hikari. Por quê? Você deve estar se perguntando. A resposta é: Re:Creators é um fenômeno narrativo (seja para o bem ou para o mal) e se eu fosse falar apenas da trailha sonora estaria negando isso.

Sem mais delongas deixa eu começar te dizendo que sim, Re:Creators é um bom animê! Em pleno 2017 – onde o slice of life de comédia romântica domina o cenário mundial de consumo por parte dos otaku – a animação do estúdio Troyca foi uma aposta ousada dos investidores visto que sua trama original, o mangá, é bem recente. Para ser mais preciso de 18 de fevereiro de 2017. Menos de dois meses depois o animê estreava pelos canais Tokyo MX e AT-X (para citar os mais conhecidos). Logicamente uma jogada de marketing. Ambos, mangá e animê vem sendo pensados desde o ano passado e entram em execução no intuito de se tornar um fenômeno de marketing.

O mangá é escrito por Daiki Kase e publicado pela Shokakugan nas páginas da revista Monthy Sunday Gene-X. Já o animê é dirigido por Ei Aoki, que escreveu o roteiro em parceria com Rei Hiroe. A produção executiva ficou por conta de Shizuka Kurosaki e a produção musical… Bem, depois falamos dela.

Em 22 episódios nós acompanhamos a história do encontro entre as criações (personagens de mangás, animês, games e demais mídias que são bastantes populares no Japão) e seus criadores (autores, ilustradores, desenvolvedores e etc.) Tudo isso envolvendo uma luta para evitar que o mundo real e o mundo das criações se colidissem e isso levassem ambos à destruição. Tudo isso parte dos planos de Altair, uma criação que não possuia nem um mundo base para sua narrativa e que buscava vingança em nome de sua criadora, uma jovem artista criticada pela indústria e principalmente pelos fãs.

Mas a proposta desse artigo é justamente questionar se Re:Creators foi um animê completo ou não? Vamos a isso!

Sabe-se que muitos elementos são necessários para se definir uma animação como completa (principalmente quando se fala de animação japonesa). Mas alguns pontos básicos podem ser aqui elencados e servirem de apoio para uma constatação sobre a pergunta anterior.

 

1. Elementos visuais

Esse primeiro ponto é a base em primeiro nível de uma animação. Em meio a um grande número de títulos o fã primeiro se realiza ao encontrar uma animação com qualidade gráfica que lhe seja atraente. Tanto o character design (desenho de personagens) quanto o background design (desenho de cenários) devem estar em harmonia e assim mostrarem ao telespectador que a staff se preocupa em agradar visualmente seu público e se compromete em mostrar os melhores ângulos, quadros e poses das personagens. Re:Creators mantém uma dinâmica mediana a respeito desse primeiro recurso. Com um background design sempre cheio de informação, mas não poluído, a animação permite que o character design possa ser bem trabalhado.

(Mesmo possivelmente sendo uma característica original da própria Magane, fica nítido nessa cena – como em algumas outras, que o character design do animê falhou por diversas vezes nos fator dimensões)

 

Entretanto isso falha por diversas vezes. Em alguns episódios entre a passagem da primeira fase para a segunda algumas fisionomias e dimensões ficam desproporcionais. O resgate fica por conta da mudança de visual recorrente nas protagonistas da trama. Uma verdadeira iniciativa para conquistar o carisma do público. Nesse critério a nota (se posso dar uma) é 9,0.

 

2. Elementos sonoros

Como prometido falemos aqui sobre a produção musical de Re:Creators e seus demais artifícios sonoros. A produção musical (ao meu ver) é o ponto mais alto em toda a animação. Composta por Hiroyuki Sawano – o grande nome das animesong dos últimos cinco anos – a obra sonora do animê é divida em dois CDs lançados em junho deste ano contendo 34 faixas. Seis dessas faixas são cantadas pela equipe de interpretes que junto do produtor musical formam o projeto HiroyukiSawano[nZk]. Entre as canções os maiores destaques são HERE I AM (interpretada por Gemie), Layers (interpretada por Aimee Blackschleger), BRAVE THE OCEAN (interpretada por Eliana) e God of Ink (interpretada por mpi), que foi a música-tema do último episódio. Sempre aparecendo nos momentos de maior tensão (batalhas) essas canções marcavam o tempo narrativo de Re:Creators e revelevam de imediato ao público a sequência de acontecimentos à proporção que cada uma era executada. Isso nos guiou em diversos momentos para saber sobre grande reviravoltas nas ações dos protagonistas, antagonistas e coadjuvantes da trama.

Não se pode esquecer também das canções de abertura e encerramento. Também executadas por Hiroyuki Sawano, Gravity Wall e Sh0ut (interpretadas por Tielle & Gemie) foram ótimas opening songs cumprindo seu papel perfeitamente ao recepcionar o público em mais uma apresentação do show televisivo. Nos encerramentos as canções NEWLOOK (interpretada por Mashiro Ayano), world Étude (interpretada por Aki Toyosaki exclusivamente para o episódio 13) foram o complemento musical necessário para marcar a pausa na trama. Contudo é Rubikon (interpretada por Sangatsu no Phantasia) a canção que mais se destaca por trazer um clipe bem próximo a uma das característica da animação, sua metalinguagem (que falarei mais à frente).

(Na segunda fase do animê a opening e ending Sh0ut e Rubikon mostraram todo o potencial musical do animê, que é um dos melhores da temporada)

 

Para completar o quesito elementos sonoros devo citar também o sound design do animê e sua dublagem. Jin Aketagawa faz um belo trabalho de direção de som ao proporcionar respostas sonoras que casaram perfeitamente com o background design pensado. A presença de diversos elementos de fantasia, teconologia futurística e mágica foram captadas em sua essência pela equipe da engenharia de som que conseguiu ilustrar cada reação através de um efeito sonoro bem elaborado e em nada falsificado demais para as cenas. Já na dublagem o destaque fica Aki Toyosaki que além de cantar um tema de encerramento manda muito bem nas ações e treijeitos da personalidade da antagonista Altair. Os protagonistas interpretados por Kenichi Suzumura e Mikako Komatsu (Mirokuji e Selesia, respectivamente) também ganham um bom desempenho com seus seyuus. Na verdade pode se dizer que houve uma unidade em toda a equipe de dublagem, o que sempre é bom. No geral a nota do quesito dois é 10,0.

 

3. Enredo e Personagens

Aqui temos as principais falhas da animação inteira. Talvez o fato de Re:Creators ter sido pensado para se destacar na TV sem antes desenvolver mais seu mangá tivesse eliminado algumas inconstâncias na ordem de acontecimentos e destinos de personagens. Posso exemplificar isso em três pontos que vou chamar de a, b e c.

a) Souta Mizushino: o jovem estudante do ensino médio com pretensões à ilustrador de animês e games é um protagonista muito aquém de toda a proposta narrativa da série. Sem se desenvolver em nenhum momento o animê inteiro, por muitas vezes é nítido que sua presença é irrelevante. Sim! Isso mesmo. Por muitas vezes os acontecimentos e diálogos se desenvolvem sem que Souta tenha uma grande interferência. Seus maiores destaques são o seu relacionamento com Setsuna Shimazaki (a criadora de Altair) e o "ás na manga" dos criadores durante o combate final contra a "Garota do Uniforme Militar", e mesmo isso graças a um diálogo muito elaborado motivado pelas intenções corruptas de Magane Chikujouin. Um protagonista no nível de Souta é uma das motivações para a série em alguns momentos não apresentar evolução.

b) Mamika Kirameki: com uma passagem até certo ponto curta na trama ela acabou se tornando uma das personagens mais marcantes ao final. Mamika é a primeira criação a ser morta por Altair e mostra um lado doce em meio ao tenebroso cenário desenhado na animação. Sua morte acaba sendo a chave para destravar eventos importantes na trama e influnciam diretamente outros personagens como a amazona Alicetaria February, que se tornou sua amiga. Mamika foi uma aposta também do staff. Tanto que lhe foram rendidas homenagens póstumas em um velório público dedicado aos fãs da série. A ausência de Mamika foi sentida ao ponto de inserirem outra personagem que pudesse ocupar seu lugar: Hikayu Hoshikawa. A personagem de eroge/dating game não tem a mesma pureza da protagonista de mahou shoujo e acaba sendo sexualizada no decorrer da trama ficando apagada enquanto criação, pois perde muito da sua sinopse original.

c) Selesia Upitiria: Muitos vão dizer que Meteora Oumlsterreich possui muito mais importância para trama do que a protagonista ruiva. De fato isso parece correto se percebermos que Selesia morre e Meteora permanece viva (uma lógica de benefício de protagonistas mais relevantes). E esse foi outro problema de Re:Creators. Elevar uma personagem como Selesia ao status de protagonista e logo mais à frente retirá-lo foi jogar sujo com os fãs (que já amontoavam doujins dos mais diversos sobre a personagem). Bem mais querida que Meteora, Selesia acabou no mesmo patamar de Mamika e Alicetaria: o de coadjuvante-sacrifício para despertar eventos de plot twist na trama.

Nem entre as demais criações ou entre os criadores foi possível dizer se havia de fato um protagonismo hierarquizado. Acabou que todos se tornaram coadjuvantes de sua própria história. Altair na segunda fase do animê assume o papel de protagonista (mesmo mantendo sua perspectiva como antagonista) e se mostra uma personagem acima de qualquer mensuração de poder. O desfecho do animê ficou nela e em sua criadora. O demais acontecimentos foram simplesmente jogados para uma conclusão. Meteora termina o animê permanecendo na Terra e escrevendo uma light novel, que ela chama de Re:Creators, tudo numa boa forma de encerrar a animação fazendo uma referência. Neste quesito, o enredo e as persoangens acabam que prejudicando o animê ao invés de ajudá-lo. 

(Selesia acabou se tornando – por muitas vezes – um alívio cômico na série)

 

 Mas e a metalinguagem? E é aqui que Re:Creators recupera mais uma vez um fôlego. O enredo ganha um destaque por se metalinguístico, ou seja: falar sobre a própria estrutura de uma animação (ou da sua indústria). Acaba que Re:Creators vira um meio que os investidores que mantém à indústria agradecer ao público consumidor. Se lembrarmos que em 2017 a animação japonesa completa oficialmente seu 100º aniversário essa afirmação ganha mais validade ainda.

Re:Creators destaca em alto grau a importância do público para a indústria e como ele pode sim interferir nos acontecimentos e surgimentos de novas tramas. No Elimination Chamber Festival, principal momento da animação, vemos isso ser dito de forma nítida ao encontrarmos os criadores apostando no público e sua aceitação para que seu plano de contenção de Altair desse certo.

A própria Altair é uma personificação da vontade do público. Surgida de uma sprite originado por uma fã que busca se inserir na carrreira de ilustradora, a vilã se desenvolve graças a cada nova contribuição que os fãs dão a ela através da internet. Altair personifica o poder de propagação que os fãs (e os otaku mais particularmente) ganharam ao passo que foram se desenvolvendo na web. Altair é a personificação da Comiket, dos fandons etc.

O discurso dos autores fica nítido também ao vermos personagens como Takashi Matsubara, Massaki Nakanogane e Chika Osawa, por exemplo, que possuem personalidades diferentes enquanto produtores de mídia, mas todos trabalham com um objetivo: entreter o público, mesmo que isso implique em mexer com o status primário de suas obras. Ao longo do animê vemos a formação de um grupo de investidores e desenvolvedores, somos constatemente questionados os limites da interferência do fã na indústria, o desgate que os autores são submetidos, além de referências a particularidades que amamos/odiamos como fanservice e spoilers.

No geral, graças à essa narrativa metalinguística o  animê se recupera e se mostra como um bom conteúdo merecendo uma nota 9,0.

 

Resumindo…

Somando as médias 9,0+10,0+90 temos um 9,3 bem aplicado para o conjunto da obra. Com isso eu posso sim chamar Re:Creators de um animê completo. Completo porque atende diversas demandas que um bom shonen pode me dá. Em sua metalinguagem – não se pode esquecer disso – ele se propõe a referenciar outros gêneros de muita importância para toda a indústria de animês em 100 anos. Do mecha ao mahou shoujo, passando pelo isekai até os seinens; lembrando dos slice of life e dos eroges, e também nos ínumeros derivados presentes nessa lógica de consumo onde um mangá vira animê, vira game, se desmembra em spin-offs, produtos de coleção etc., Rec:Creators atende a todos os públicos desse que é o maior produto de entretenimento de uma nação.

Aos fãs que se apaixonaram pelo animê fica o gostinho de quero mais. Além do animê e do mangá (que segue em publicação), Re:Creators conta com outro mangá, esse um spin-off, chamado Re:Creators One More! (publicado desde junho deste ano). Os fãs sonham também com futuras adaptações das tramas apresentadas ao longo de 22 episódios. Quem sabe não possamos ver um dia uma animê de Elemental Symphony of Volgelchevalier (no mundo de ficção já caminhando para sua segunda temporada) e assim rever e conhecer um pouco mais de Selesia? Ou um animê cyberpunk  baseado em Code Babylon, a trama do detetive Blitz Talker… Um sonho quase impossível, mas que vale a pena alimentar.

Até a próxima e… Sayonara!