Estamos entrando agora na terceira semana de exibição do filme live action de Ghost in the Shell, aqui no Brasil curiosamente chamado de A Vigilante do Amanhã, e a Hikari se propõe agora a analisar alguns contextos – narrativos e midiáiticos – envolvendo a produção. 

Se você está lendo essa matéria deve estar a par do que se anda comentando nas redes sociais e na imprensa especializada. É dito que A Vigilante do Amanhã não correspondeu ao pedido dos fãs e não é um bom filme por diversas questões. Uma delas, que mais chama a atenção é a crítica feita ao elenco do filme por não ser composto completamente por orientais. Muitos sites de cinema (no Brasil e no mundo) destacam que a escalação de atores brancos para papéis nitidamente asiáticos é um desreipeito a origem da narrativa e com o público oriental.

Outra queixa feita pelos críticos é que a narrativa ficou muito lenta e sem os destaques que realmente deveriam ser dados como as cenas de ação. O filme seria pouco dinâmico. Sem falar que Scarlett Johansson não foi convicente no papel da Major.

Mas será que foi tudo isso mesmo?

A "crítica" que se dispõe a elencar tantos defeitos em uma produção do tipo ao meu ver apenas tenta desqualificar a direção de Rupert Sanders e o trabalho dos demais profissionais ligados a Paramount Pictures (distribuidora) e demais estúdios de produção envolvidos já numa tentativa frenética de tirar o filme de qualquer chance de disputar estatuetas em qualquer categoria do Oscar 2017. O que por si só é desnecessário visto que o ano cinematográfico ainda não chegou nem a metade e muita coisa ainda vai rolar para poder de fato se criar suposições sobre filmes que poderão ser indicados ao prêmio. 

Um outro problema cabal nessas questões de crítica estão os sites especializados em Cultura Geek (nerd e otaku). Devo dizer que ainda existe um certo preconceito com adaptações entre muitos pertencentes a esse cenário. Na indústria fílmica existe uma discussão sobre a melhor classificação dada a narrativas que são oriundas de outras mídias e ganham seu espaço na telona. Adaptação ou Tradução? Qual é realmente a diferença? Entende-se por adaptação uma releitura da obra original e sua adequação a critérios técnicos (duração, figurinos, cenários) e subjetivos (a mensagem que se quer transmitir). Desse modo a adaptação pode ser encarada a partir das modalidades exitentes como o "reboot" e o "baseado em". A tradução seria um processo mais literal da coisa. Uma transposição de tudo o que é dito, feito, visto e sentido na mídia original para a telona. É um processo díficil. Se encararmos a tradução textual de um idioma para outro percebemos que é impossível fazê-lo em que alguns frases ou palavras tenham que ser adaptadas para o contexto dos povos a quem se destina a mensagem. Logo concordamos aqui que a tradução é quase um processo utópico, pois nela consiste elementos adaptados (mesmo que ínfimos).

E é isso que a "crítica" não entende, que o cinema não pode consitir de traduções e sim de adaptações para públicos distintos. Ghost in the Shell o público pretendido pela Paramount Pictures é bem diferente do público de Ghost in the Shell dirigido por Mamoru Oshii em 1995. No século passado a narrativa cyberpunk tinha como público os japoneses (e principalmente os otaku) que consumiram o mangá original de Masamune Shirou. Em 2017 a versão hollywodiana da obra tinha como público um segmento nerd que está se aventurando mais e mais no universo dos heróis. Nesse ponto de vista alguém pode dizer que Power Rangers (também em cartaz) consegue atender esse critério com mais exatidão, no entanto isso não se compara a estética e ao ciclo do herói vivenciado em cada um dos dois filmes.

Dessa forma me atrevo a dizer que A Vigilante do Amanhã foi sim um bom filme e correspondeu as expectativas da adaptação. Diferente de Mamoru Oshii, o diretor da versão norte-americana optou por nos mostrar uma Major Mokoto Kusanagi mais humana do que a sua versão animada. Nós temos sua história melhor contada em revelia a versão em animê. Um fato que se deve destacar é que muitos achavam que o filme seria uma adaptação desta versão em animê, mas na verdade foi a releitura direta da obra em mangá.

Até mesmo personagens como Batou e Aramaki ficaram mais vivos na versão em live action. Isso porque a adaptação feita vinte e dois anos depois da primeira feita em animação tem mais contexto. Mamoru Oshii contou apenas como o mangá de Masamune Shirou para fazer seu trabalho. A Paramount nos traz uma releitura do mesmo mangá mais levando em consideração o animê de Mamoru Oshii e as demais animações para TV já feitas para a franquia, A Vigilante do Amanhã é uma narrativa mais completa.

 

 

Podemos dizer então que A Vigilante do Amanhã se tornou a melhor adaptação hoollywodiana de uma franquia japonesa. Não nos permite apagar, mas nos faz crer que situações como Dragon Ball Evolution, Street Figther the Movie, Tekken the Movie e o filme icônico do Super Mario podem ficar na nossas memórias como tentativas falhadas que não mais se repetirão.

E quanto a polêmica destacada no início dessa matéria… Será que um filme que tem como foco um público ocidental tem mesmo que ser asiático de raiz? Gente é óbvio que não! Isso é papo de otaco (sim, e não otaku) que se sente muito dono de uma narrativa e não consegue transceder na hora de encarrar novas mídias e novas interpretações. O próprio Mamoru Oshii elogiou o filme e disse que Scarlett Johansson está perfeita no papel principal. Ele nos lembra que Mokoto Kusanagi embora tenha um contexto oriental não é um ser da realidade em que vivemos e nem do tempo em que estão. "A Major tem um nome japonês, mas ela é uma ciborgue". Em diversos outros momentos os próprios fãs japoneses receberam muito bem o filme e jogam para escanteio a polêmica do enbranquecimento das personagens.

Como se pode ver, o fandom otaku, o fendom nerd e a crítica às vezes são presunçosos demais sobre um produto simplesmente porque querem ver suas inspirações e desejos traduzidos na telona. Mas como aqui foi dito tradução é uma utopia. Devemos mesmo é a aprender a lher dar com a interpretação de terceiros e como cada um adapta o que vê, sente e faz. Por fim repito: A Vigilante do Amanhã – Ghost in the Shell, pode até não ser o melhor filme de 2017, mas é a melhor adaptação de um mangá/animê que você viu e verá até que outra a supere.

Sayonara!