(Essa é a cena mais emocionante que este redator elegeu em todo o anime. Chorar foi impossível de controlar)

 

[Esse texto é dedicado aos amigos Rayssa Alves, Rodrigo FBI e a nossa DJ Ainarie]

 

Chegou ao fim mais uma temporada de Inverno para os aficionados por animes no Japão, Brasil e resto do Mundo. Sou sempre suspeito ao falar de animes, afinal são uma das minhas muitas paixões. Contudo sou consciente de que devo fazer um julgamento descente sobre esse momento que findou.

A Winter Season 2016 não foi das piores nos últimos tempos. É de praxe que no início do ano sejamos apresentados a uma enxurrada de animes considerados como categoria B. Muito possivelmente pelo fato de pouco render em vendas de Blu-Ray Disc ao não conseguir atrair público.

Em sua maioria temos comédias de inverno, pastelões picantes, alguns seinens, shonen toscos e dramas.

Mas para superar isso, as produtoras estão adotando o método do half cour. Kono Subarashii Sekai no Sukufuku wo! – ou apenas Konosuba – ganhou antes mesmo do seu último episódio uma segunda temporada. Na verdade, o projeto de 1 cour com 20 episódios já existia, mas foi dividido e esperou ver no que ia dar. Além da boa venda no Blu-Ray Disc, a light novel, peça de origem da narrativa teve um crescimento geométrico nas vendas. Uma prova sobre o que estou dizendo.

Essa é a indústria japonesa de animação, que em altos e baixos se reinventa para manter-se viva.

Mas como anunciado, esse artigo é para falar do anime destaque da WS 2016: Boku Dake ga Inai Machi. O seinen triller de Kei Sanbe arrebentou a crítica no mundo inteiro por apresentar uma proposta simplesmente reflexiva e cheia de tensão sobre temas delicados. Temas que são de foro muito particular ao cotidiano japonês, mas que se repetem no planeta de um modo geral.

Estou falando de questões como: Violência Doméstica, Violência Infantil e Transtornos Psicológicos (Psicopatia). Além de tratar de temas mais amenos e de grande importância como amizade e família.

Sobre o olhar de Fujinuma Satoru – quer seja adulto ou criança – pude perceber como o autor se preocupou em passar a mensagem sobre a importância de relacionamento reais entre pessoas para que todas possam alcançar seu bem estar. Passado e Futuro são conectados pelas ações que decidimos tomar ao longo do nosso crescimento.

Satoru era um adulto não realizado e cheio de sentimentos de culpas pela morte de Hinazuki Kayo, colega de classe que vivia uma vida complicada em casa e sem muitos amigos. Satoru teria sido o último a vê-la antes de desaparecer e ser encontrada morta.

Sobre as acusações da sociedade sobre o jovem otaku e seu amigo de infância Shiratori Jun, o Yuuki (Coragem), Satoru viu-o ser preso acusado pelas mortes de Kayo, Hiromi e Aya todos crianças próximas a eles.

Mesmo sabendo que o amigo não teria sido o culpado não pode fazer nada e deciciu viver com essa culpa. Aqui faço o primeiro destaque!

Vi diversas referências nessa introdução da narrativa. A principal sendo caso do jovem Tsutomu Miyazaki. Técnico em fotografia e otaku declarado, Miyazaki foi condenado por uma série de assassinatos entre 1988 e 1989 que envolviam crianças (mais especificamente meninas) e acabou por essa razão manchando a imagem moral de muitos otakus no país ao ser taxado pela imprensa tendenciosa como “O Assassino Otaku”.

Violento e descontrolado, Miyazaki matou quatro meninas entre 4 e 7 anos de forma brutal envolvendo mutilações e até mesmo casos de necrofilia. Literalmente um monstro. Após ser preso, já em 1989, confessou todos os crimes e disse que o motivo de capturar meninas era porque não se sentia bem com mulheres. Ele ainda chegou a dizer que as vítimas eram escolhas aleatórias.

Os assassinatos ocorridos no passado de Satoru seguem essa mesma linha, mas com uma diferença: o assassino nunca foi preso. A data também é a mesma (lembre-se que 1988 é o ano que a escola de Satoru venceu o campeonato de hóquei no gelo). A figura de Jun Shiratori como um otaku é a última referência feita por Ken Sanbe ao crime de maior repercussão na mídia japonesa no século XX.

É bom que fique claro, que provavelmente a intenção do mangaká não é a de inocentar Miyazaki (que já faleceu em 2008 com 45 anos), mas sim fazer a crítica social a algo que ficou mais marcado que os próprios crimes do psicopata: a imagem dos otaku no Japão.

Ainda é forte a aversão a quem se declara ou age como otaku em território japonês. A adoção do termo no Ocidente foi uma das primeiras tentativas de desfazer esse estigma criado pela figura do “Assassino Otaku”. Sabemos que há casos extremos de otakismo praticado no Japão (o Estúdio Gainax foi o responsável pela primeira tentativa de desarmar a sociedade japonesa dessa visão tendenciosa sobre a tribo dos otaku com o seu OVA Documentário “Otaku no Vídeo” em 1991).

Como sabemos, Jun Shiratori não é o assassino, mas só o fato dele ser um otaku com muitos problemas antissociais foi facilmente condenado pelos crimes. A falta de álibis não o ajudou muito também.

Mas voltemos aos comentários! Satoru acabou ganhando um poder – se é que se pode chamar assim – que na vida adulta lhe permitia antecipar tragédias. Uma espécie de Deja-vú, o seu Revival é o segredo por detrás da trama. Na vida real isso não é possível, mas tudo muda para o protagonista quando seu passado volta a lhe assombrar ao ver a mãe assassinada e ser acusado pelo crime. Seu poder latente desperta e Satoru é lançado em um Revival totalmente diferente. Agora ele não enxerga o futuro, mas sim regressou no tempo. Para a época onde tudo em seu mundo girou: antes da morte de Kayo. E aqui dou mais um destaque!

Tendo em mãos a oportunidade de refazer o passado e alterar o futuro, consequentemente, Satoru teve que encarar o dilema de evitar três mortes. Para tanto ele, em uma primeira vez, tenta apenas se antecipar ao que saberia que aconteceria, mas se esquece de interagir de verdade nesse passado. Só em uma segunda oportunidade ele descobre como vencer seu adversário sombrio: o assassino.

Ken Sanbe destaca nessa fase da narrativa a importância da amizade. Satoru refaz seus laços de amizade com os amigos próximos Kenya, Hiromi, Osamu e Kazu e definitivamente decide ser mais afetivo com outros, em especial a introspectiva Hinazuki Kayo. Para mudar o passado ele descobre que não basta evitar os crimes e sim mudar as perspectivas de seus próximos.

Aqui questões delicadas como violência doméstica e infantil vem à tona. Quem não tentou por várias vezes esganar a Srª Hinazuki durante as cenas de agressão a pobre Kayo? Insensível você é se não pensou nisso! A violência dentro de casa é um dos plots mais bem trabalhados pelo autor em sua obra. A crítica social feita é sem dúvida um tapa na cara de qualquer japonês e pai/mãe ao redor do mundo. Pare e observe! Alguém ao seu lado pode ser uma possível vítima ou agressor em casos de violência doméstica.

Eu sei muito bem que se intrometer não parece ser a melhor das opções, mas fingir que não vê é vergonhoso! Existem forças de lei que protegem crianças, idosos, mulheres, homens, animais etc. faça a sua parte e denuncie! A violência não pode existir! Esse é o recado de Ken Sanbe ao mostrar a verdadeira batalha de Satoru e seus amigos para libertar Kayo das mãos malignas de sua mãe. Só que ele não se preocupa apenas em pintar a imagem de vilã em Hinazuki Akemi. Ele mostra que a jovem mãe também sofreu nas mãos de um marido mal e abusivo. No entanto ele não busca justificar isso como motivo para ela agredir a filha.

A mensagem é mais além. Sanbe deixa claro que todos somos possíveis vítimas de uma violência que gera violência, logo devemos todos estar de olho vivo para evitar que essas atitudes venham a se repetir.

Voltemos para os comentários! A narrativa se completa com a figura do maníaco Gaku Yashiro, no presente vivendo como um político e com outro nome, no passado o professor de Satoru e sua turma. Simplesmente por condição de escolha pessoal trata as pessoas como cobaias para sua análise e vida onde seu maior experimento é leva-las à morte. Para piorar tem como foco as crianças.

Segundo ele, todos temos um fio sobre nossas cabeças e se esse fio existe significa que há um motivo para viver. Sua maior busca é encontrar que destrua o seu próprio fio. A referência é de uma lenda japonesa, mas faz mais sentido ele mesmo contando. Aqui vem meu último destaque!

Encaro o Yashiro como a encarnação do monstro Tsutomu Miyazaki nos traços de Ken Sanbe. Há sim aqueles que sentem prazer em ver o sofrimento dos outros. E isso vai além de um sadismo praticado entre quatro paredes. Se trata de uma doença, um transtorno psicológico, que, acreditem ou não, está diretamente ligado ao passado pessoal dessas pessoas em casa, nas escolas ou qualquer lugar que frequentaram. Em todos os casos, elas inicialmente foram vítimas, da violência, da repressão social, do bullying e tantas outras coisas que vemos e reconhecemos e por não estar envolvido conosco deixamos passar.

A mensagem que a Hikari, por meio de Boku Dake ga Inai Machi deixa para todos é: Nós temos o poder de mudar o futuro, e isso não depende de um Revival. Nós mudamos o futuro a cada minuto quando tomamos atitudes certas ou erradas. Definir certo ou errado parece ser difícil, mas busquemos então pensar nas consequências. Aquelas que forem favoráveis e não prejudicarem os próximos são o ideal a ser seguido.

Satoru encontrou nos amigos a oportunidade recomeçar. Venceu seu inimigo, que não era Yashiro, mas sim sua incapacidade de se importar com os que lhe cercam. Quando fez isso conseguiu algo mais do que evitar mortes. Conseguiu ser alguém que realmente se orgulhou de estar vivo, mesmo sendo em “Uma cidade onde só ele não existia”.

Até a próxima! Fique com a canção tema do anime Re:Re por Asian Kung-Fu Generation (uma escolha e tanto) em uma apresentação ao vivo. Clique aqui se quiser acompanhar a letra e conhecer a tradução.

 

 Sayonara!